EUA querem pôr norte-coreanos “a comer relva”, mas nuclear vai resistir
A prioridade dos EUA é reforçar as sanções aplicadas à Coreia do Norte. Putin avisa que essa não é a solução e China nada fará até Outubro.
No campeonato das más soluções para conter o desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte, o difícil parece ser escolher a pior. O Presidente russo, Vladimir Putin, resumiu esta terça-feira o dilema, ao alertar para a “catástrofe global” que uma possível intervenção militar poderia provocar, mas também classificou o plano de reforçar as sanções contra o regime norte-coreano como “uma estrada para lado nenhum”.
A aplicação de novas (e mais fortes) sanções está no centro das discussões sobre a forma como o mundo deve responder ao ensaio nuclear de domingo realizado pela Coreia do Norte. Na reunião do Conselho de Segurança da ONU convocada de emergência na segunda-feira, a embaixadora norte-americana, Nikki Haley, pediu a adopção “das medidas mais duras possíveis” e recusou inteiramente a proposta sino-russa de um congelamento do programa nuclear norte-coreano a troco de uma suspensão dos exercícios militares dos EUA na região.
Alinham-se dois campos. Os EUA e os seus aliados defendem o alargamento das sanções contra a Coreia do Norte, incluindo as exportações chinesas de petróleo. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, também concordaram com um reforço das medidas punitivas contra a Coreia do Norte, de acordo com o porta-voz de Merkel, Steffen Seibert.
Mas Pequim e Moscovo não acreditam que um recrudescimento das sanções trave as ambições norte-coreanas. Putin disse mesmo que os norte-coreanos “preferem comer relva, mas não irão desistir do programa nuclear enquanto não se sentirem seguros”, usando uma expressão utilizada pelo ex-líder paquistanês Zulfikar Ali Bhutto nos anos 1970, para justificar o seu próprio programa – que é hoje uma realidade: "Se a Índia construir a bomba, nós também a teremos, nem que seja preciso comer relva ou passar fome".
O embaixador russo no Conselho de Segurança, Vassili Nebenzia, disse ser “um pouco prematura” a proposta de novas sanções, que será votada na segunda-feira. Há um mês, o mesmo órgão aprovou um pacote de medidas que restringe fortemente a capacidade exportadora de Pyongyang, impondo proibições à venda de ferro, chumbo e marisco, entre outros sectores. É também proibido o acolhimento de novos trabalhadores norte-coreanos no estrangeiro, cujos salários representam uma importante fonte de moeda forte para os cofres do regime. Os cálculos apontam para um corte de cerca de mil milhões de dólares do rendimento anual da Coreia do Norte com exportações – equivalente a um terço do total.
China quer estabilidade
Para a China, o grande receio é que o bloqueio das exportações de petróleo para a Coreia do Norte possa deixar a economia do seu aliado num estado que provoque o colapso do regime. Apesar do crescente afastamento diplomático entre Pequim e Pyongyang nos últimos anos – Kim Jong-un e Xi Jinping ainda não se encontraram pessoalmente, por exemplo – a Coreia do Norte tem uma elevada importância estratégica para a China, uma vez que a sua existência garante que a Península Coreana não é unificada sob a égide de um aliado norte-americano.
Apesar da relutância chinesa, vários analistas dizem que a ideia de suspender temporariamente o fornecimento de petróleo à Coreia do Norte tem ganho terreno entre a cúpula do Partido Comunista Chinês. Em 2003, Pequim cortou as exportações de petróleo durante três dias, como forma de punição por um ensaio nuclear, obrigando o anterior líder, Kim Jong-il, a iniciar conversações diplomáticas.
“Irá haver sanções, mas não será um corte total do fornecimento de petróleo”, considera o professor da Universidade de Jilin (China), Wang Sheng, citado pelo South China Morning Post. “A China não quer o colapso do regime, apenas quer impulsionar negociações de paz, portanto cortar o sustento petrolífero da Coreia do Norte não encaixa nos objectivos chineses”, acrescenta.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês disse apenas que pretende participar nas discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas “de uma forma responsável e construtiva”.
Uma das questões mais importantes é o calendário. Vários analistas estão convencidos de que a China não irá adoptar nenhuma medida decisiva em relação à Coreia do Norte antes do Congresso Nacional do PCC, marcado para 18 de Outubro. “Xi não irá certamente apreciar que a sombra de Pyongyang paire sobre a preparação do 19.º Congresso, ou pior ainda, realize algum tipo de teste enquanto estiver a decorrer”, escreve o investigador da Universidade de Cambridge, Dylan Loh.
As sucessivas rondas de sanções pouco têm feito para conter as ambições da Coreia do Norte e parece pouco provável que esse cálculo venha a mudar brevemente. Ainda esta terça-feira, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país prometeu uma resposta a potenciais novas medidas. “E os EUA serão totalmente responsáveis pelas consequências catastróficas que se irão seguir”, acrescentou.
Numa conferência do think-tank conservador American Enterprise Institute, a própria Nikki Haley admitiu a possibilidade de novas sanções não alterarem de forma significativa o comportamento da Coreia do Norte. A esperança da embaixadora é que “seja cortado o financiamento que lhes permite construir mísseis balísticos”.
A falta de um acordo para novas medidas pode levar os EUA a adoptarem sanções secundárias que tenham como alvo, por exemplo, instituições bancárias chinesas que financiam a economia norte-coreana. Foi o que aconteceu em Junho, quando o Departamento do Tesouro acrescentou o Banco Dandong a uma lista de exclusões do sistema financeiro norte-americano. Uma das hipóteses para Trump seria aplicar sanções a um banco de maior dimensão, como o Banco da China, arriscando, porém, uma resposta semelhante por parte de Pequim.