Operação Aquiles: não há corrupção generalizada na Judiciária, diz Ministério Público
Processo em que dois inspectores da PJ são suspeitos de tráfico de droga entrou em fase de pré-julgamento.
O Ministério Público (MP) considerou nesta sexta-feira que os factos que incriminam os arguidos do caso Operação Aquiles, incluindo dois inspectores da PJ ligados ao combate ao tráfico de droga, são “credíveis”. Na presença do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal Carlos Alexandre, coube ao procurador João Melo iniciar o debate instrutório, no Tribunal de Monsanto, deste caso de corrupção e tráfico de droga. Disse que este processo “não se pode confundir” com a ideia de que há “corrupção generalizada na PJ” porque estão acusados dois responsáveis desta polícia: Ricardo Macedo e Carlos Dias Santos.
Tendo em conta nulidades sugeridas por alguns dos arguidos, que requereram a abertura de instrução, o procurador pediu ao juiz Carlos Alexandre para “não atender aos fait divers”, designadamente teorias de que houve cabalas e estratégias de competição entre departamentos da PJ a justificar as imputações criminais deduzidas contra os arguidos.
Nesta fase inicial do debate instrutório dominada por questões técnicas relacionadas com a prova recolhida contra Ricardo Macedo, o procurador afastou também quaisquer vícios quanto à qualificação jurídica dos factos, observando que aquele antigo responsável da PJ no combate à droga violou a “objectividade e a independência” das funções públicas que exercia na PJ.
Já a defesa do ex-coordenador da PJ Carlos Dias Santos invocou a nulidade de dois meios de prova e a fragilidade de outros elementos probatórios para pedir que o seu constituinte não vá a julgamento.
Prova é “frágil”
O advogado Melo Alves tentou desmontar toda a acusação do Ministério Público contra o antigo responsável da PJ por corrupção, tráfico de droga e associação criminosa. “Pedi a não pronúncia (de Dias Santos) de todos os crimes”, precisou Melo Alves, à saída do tribunal de Monsanto, em Lisboa, onde atacou, ponto por ponto, a acusação do MP contra o seu cliente, que disse ser nula em alguns pontos e frágil e genérica noutros.
Segundo Melo Alves, existem meios de prova que são nulos, incluindo depoimentos de testemunhas para memória futura, e depois toda uma “panóplia” de prova que entende que à luz da lei portuguesa e da jurisprudência não pode ser valorada pelo tribunal. “Por exemplo, depoimentos indirectos que a lei diz que têm que preencher determinados requisitos, porque senão não podem ser valorados”, precisou aos jornalistas.
Quanto à prova recolhida pelo MP que alega ser “muito frágil”, Melo Alves diz que tem a ver com a incriminação que é feita a Dias Santos por outros coarguidos, nomeadamente de que o ex-coordenador da PJ prestava informações policiais a redes colombianas de tráfico de cocaína, recebendo dinheiro em troca.
O advogado sustenta que essa prova indirecta, que incrimina Dias Santos, é “frágil” e que quem o diz em primeira linha é a própria doutrina e jurisprudência.
“És uma máquina”
Questionado sobre se irá solicitar uma acareação (confronto directo de versões) entre arguidos caso o processo chegue a julgamento, Melo Alves respondeu que “não é preciso”, porque basta a “fragilidade da prova”. Além do mais, acrescentou, os arguidos podem não confirmar em julgamento aquilo que disseram em fases anteriores do processo.
À saída do tribunal, Carlos Dias Santos considerou que o seu advogado conseguiu “desmontar completamente” a acusação do MP e reiterou estar “curioso” para saber qual será a decisão do juiz Carlos Alexandre de o levar ou não a julgamento.
A acusação da Operação Aquiles revela que, em Outubro de 2006, a PJ já dispunha de informações que evidenciavam “fortes suspeitas” de ligações do então coordenador de investigação criminal da PJ Carlos Dias Santos aos traficantes de droga.
Segundo a acusação, entre Outubro de 2006 e Janeiro de 2007, elementos da Unidade de Prevenção e Apoio Tecnológico (UPAT-PJ) transmitiram à sua hierarquia informações resultantes de vigilâncias e recolha de informações que “evidenciavam fortes suspeitas de ligações ao mundo do crime”, de Carlos Dias Santos.
As informações de 2006, indica a acusação, apontavam para a ligação de Carlos Dias Santos, da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), com o sul-americano Jorge Manero de Lemos e à actividade de tráfico de droga desenvolvida por este último.
Na altura, um agente encoberto da PJ, durante uma reunião que manteve com um suspeito de nacionalidade paraguaia, ficou a saber que a organização criminosa que exportava cocaína para a empresa Terra Australis, de Torres Vedras, “tinha um informador na PJ” que revelava as movimentações da polícia no combate ao narcotráfico.
Também as autoridades norte-americanas informaram a PJ de que um dos seus elementos que colaborava com as organizações criminosas da América do Sul tinha a alcunha de "La Maquina”, facto que adensou as suspeitas sobre Dias Santos por o mesmo usar muitas vezes a expressão “és uma máquina”.
29 arguidos
Segundo relata a acusação, os dois elementos da PJ, além de darem informações às organizações criminosas que protegiam, através dos contactos com os pretensos informadores, por vezes recebiam informações das mesmas organizações relativamente ao tráfico desenvolvido por organizações “concorrentes”.
Carlos Dias Santos e Ricardo Macedo “utilizavam por vezes tais informações na UNCTE para fazer bons serviços com apreensões de droga e assim credibilizar os pretensos informadores” e serem reconhecidos pelos seus superiores.
Neste processo, o MP acusou 29 arguidos por tráfico de droga, associação criminosa e corrupção com vista ao tráfico e corrupção passiva para prática de acto ilícito, incluindo o militar da GNR José Baltazar da Silva e Frankelim Lobo, líder da organização de narcotráfico com residência em Málaga, Espanha, mas com paradeiro desconhecido.