Os anos 80 vivem no Alto Minho e subiram ao palco em Vilar de Mouros

Foram os Primal Scream que agarraram o público em noite de “regresso” do vocalista Bobby Gillespie aos Jesus & Mary Chain. Mas os Young Gods garantiram o concerto mais enérgico.

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The Young Gods Paulo Pimenta
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A banda ainda não tinha começado a tocar. Mal entra no palco, Bobby Gillespie, vocalista dos Primal Scream, já pede palmas. Ouvem-se os primeiros acordes de Movin' on up e o público acede ao pedido. Os escoceses seguem embalados, comandados pelo frontman que ao fim de mais de 30 anos de banda ainda não decidiu se quer continuar a ser o Mick Jagger ou passar a ser ele mesmo. Pára tudo. Há um problema com um dos amplificadores. “Adeus, boa noite e até à próxima”, podiam ter sido as palavras de Gillespie. Não as disse. Pediu cinco minutos, cumpriu e os Primal Scream voltaram com o Orange dos Jesus & Mary Chain, banda que o vocalista tão bem conhece, para começarem de novo. Ganhou quem gosta do tema, que o ouviu duas vezes. Gillespie terá herdado também a capacidade do líder dos Rolling Stones para dominar uma plateia e dar a volta por cima: garantiu o concerto que mais mexeu com o público no primeiro dia deste Vilar de Mouros, marcado pelo regresso ao festival dos Young Gods e pela melancolia sónica dos Jesus & Mary Chain.

Longe vão os tempos em que o centro da aldeia do concelho de Caminha se enchia de gente por altura do festival. Sejamos mais precisos. Numa localidade onde vivem cerca de 750 pessoas, os milhares que lá se concentraram no primeiro dia do evento formam uma moldura humana com impacto suficiente para poder ser dito que a aldeia não está propriamente vazia. Diz a organização que no dia de arranque, esta quinta-feira, estiveram lá aproximadamente nove mil pessoas – estimativa calculada a partir do número de bilhetes diários vendidos em conjunto com os passes gerais. Porém, numa comparação directa com a segunda metade dos anos 90 e os inícios de 2000, fase em que as o festival de Vilar de Mouros se realizou regularmente, há uma diferença abissal. E isso não é propriamente mau, sobretudo para o público, que raramente tem de esperar mais do que cinco minutos numa fila seja lá para o que for.

Vive-se nas imediações do recinto um revivalismo espelhado também na média de idades dos espectadores, ou não fosse o cartaz, quase na totalidade, orientado especialmente para bandas oitentistas. É efectivamente um público mais adulto, que insiste em passar o testemunho aos que vieram depois. É comum encontrar três gerações diferentes: avós, pais e netos.

Ao contrário do que acontece noutros festivais, há espaço vazio na área reservada para o campismo, agora concentrada maioritariamente junto à ponte românica. Do outro lado do rio Coura, onde noutros anos pouco espaço havia para “encaixar” mais uma tenda, são mais os carros que lá estão estacionados do que os campistas, que, neste festival, também têm uma média de idades mais elevada. Há piqueniques no parque, com geleiras cheias e fogareiros preparados para os grelhados. Na lado oposto, atrás do palco, junto à azenha, há quem aproveite para nadar no rio, onde há bebés de colo a entrarem pela primeira vez no Coura com os pais.

A máquina Young Gods

Na penumbra, estão em palco os Young Gods. Franz Muse, vocalista e único membro constante do trio, tem um foco de luz acoplado ao tripé do microfone que aponta para cima. Entra introspectivo, ainda “preso” à guitarra. É sem ela que se solta, mais lá para a frente, livre para se expandir em movimentos teatralizados. Sem a guitarra fica a base instrumental entregue à bateria e ao delírio electrónico e de distorção dos teclados sintetizados de Cesare Pizzi, o teclista original, recentemente regressado à banda. Começam introspectivos, passam a mecânicos e rebentam na distorção.

Franz, homem de poucas palavras, relembra a primeira vez que passou por Vilar de Mouros. Foi em 1996, no primeiro regresso do festival depois da edição de 1982. Na altura já tinham tocado Kissing the sun, do álbum Only Heaven, editado um ano antes da primeira visita. Revisitaram este e outros temas icónicos, como Skinflowers, que tem 20 anos, da banda que celebra 30 desde o lançamento do álbum de estreia. Há sete anos que nada editam. Tempo a mais para aqueles que são uns dos fundadores do rock industrial mais electrónico e que garantiram a actuação mais enérgica do primeiro dia, que arrancou com os The Veils, a única banda do alinhamento que não nasceu nos anos 80.

É dos anos 80 que saem também os The Mission. Entre baladas góticas e refrões mais pop rock, cumpriram a função de garantir aos fãs um concerto competente. O som destes bastiões do gótico ganha uma dimensão diferente ao vivo. Arriscamos dizer que quem não é adepto da sonoridade dos britânicos conseguirá suportar o concerto até ao fim. Dissemos suportar? Queríamos dizer gostar. Vá lá, poderá ficar intrigado. A carga mais negra e romântica dos temas passa quase a fronteira da alegria. Não faltaram clássicos como Butterfly on a wheel ou Wasteland.

Bobby Gillespie a dobrar

Os Jesus & Mary Chain odeiam o rock'n'roll, mas não menos do que o rock'n'roll os odeia, dizem-no em I hate rock'n'roll. Tudo mentira. Talvez seja um desabafo de quem já cá anda há mais de 30 anos e ajudou a fundar géneros como o shoegaze ou o dream-pop. Melancólicos, estridentes e surpreendentemente bem-dispostos, assinaram uma actuação que percorreu grande parte da história da banda. Têm álbum acabado de lançar e por lá passaram em temas como Amputation, a abrir o concerto, ou Mood rider, All things must pass e Always sad, com a participação de vocalista convidada.

Foi para o regresso a Psychocandy que a banda dos irmão Reid reservou a maior surpresa da noite. Numa das extremidades do palco estava montado um kit de bateria. Toca-se Just like honey. Entra um novo membro para os Jesus? Afinal é um regresso. Só por uma noite, é certo. É Bobby Gillespie, vocalista dos Primal Scream, que em 1985 gravou a bateria do primeiro álbum, altura em que acumulava funções nos dois grupos.

E foi Gillespie o homem da noite, primeiro pela surpresa e depois por ter conseguido agarrar o público já de madrugada, antes de as portas do recinto encerrarem. Os Primal Scream são um mistério. São um fenómeno de longevidade e de popularidade difícil de definir. Ora são pop, ora são rock, dançáveis ou duros como os Stones, que serão a maior influência de Gillespie. Certo é que o público se deixou levar pela actuação mais do que bem comandada pelo vocalista de serviço. Contornou as dificuldades técnicas e arrancou aplausos nos tema em que previsivelmente isso iria acontecer: Loaded, Rocks ou Swastika eyes.

Apesar dos números adiantados pela organização, dentro do recinto, e no período mais composto da noite, nunca terão estado mais de cinco mil pessoas ao mesmo tempo. Será necessário sublinhar que este é o segundo ano de mais um regresso do festival, cujo último dia (Morcheeba, Psycadelic Furs, Boomtown Rats) voltará a ser revivalista, caminho que, diz a organização, é para continuar a ser seguido.

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