Depois dos biquínis brasileiros, chegam os portugueses

Por onde caminha o mercado beachwear português? A oferta não só está a crescer como aposta em outras áreas. Hoje as veraneantes sonham com peças portuguesas

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Bikinis à venda na praia de Copacabana Paul Hanna/Reuters

Começa a ser difícil contar pelos dedos das mãos as marcas portuguesas de roupa para praia que nasceram nos últimos anos. Parte já, têm lojas próprias e atingem centenas de milhares de euros de facturação anual. São empresas que conquistaram o mercado com o imaginário de viagens e campanhas de sonho e apostaram na criatividade, design e qualidade das peças.

Algumas dessas marcas estão agora a dar os primeiros passos na diversificação de oferta. São os casos da Cantê, que apresentou a sua primeira colecção de lingerie, e da Papua, que se prepara para lançar uma linha de Inverno. Além de algumas venderem em lojas multimarca, como a Ekena Bay, que aposta em tamanhos grandes, outras apostam em lojas com nome próprio.

Paulo Vaz, director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), diz que o crescimento no sector de moda praia em Portugal, nomeadamente a exportação, tem verificado uma progressão “não em quantidade, mas em valor”. Em termos de dimensão, estas empresas mais recentes ainda não se mostram muito expressivas nos valores de consumo interno ou de exportação, mas “têm potencial”.

No entanto, trata-se de todo um sector transformado num curto período de tempo, que hoje parece feito de histórias de sucesso. O ponto de partida cruza as histórias de fundação das várias marcas. “Quando acabámos o curso, fomos para o Brasil e lá começou a surgir a ideia, porque na altura não havia nenhuma marca portuguesa de biquínis”, conta Rita Soares, sobre a Cantê, que fundou em parceria com uma colega da faculdade, Mariana Delgado.

Também as fundadoras da Latitid – as irmãs Inês e Marta Fonseca e a sócia Fernanda Santos – criaram a marca a partir da mesma interrogação: face à procura de biquínis brasileiros, por que não criar uma marca portuguesa? Recorde-se que não foi assim há tantos anos que as pessoas encomendavam biquínis aos amigos que viajavam até ao Brasil; ou que havia quem os vendesse na praia. Actualmente, algumas marcas do país sul-americano abriram lojas próprias em Portugal, como a Cia Marítima e a Lenny Niemeyer.

“Tínhamos plena consciência de que podíamos fazer outra coisa”, defende Rita Soares. As duas sócias da Cantê começaram com um investimento inicial de cinco mil euros e desenho com base naquilo que as próprias queriam vestir. Em 2011, lançaram 300 peças e esgotaram o stock online e num showroom em Belém, em Lisboa. Não vendiam apenas peças, vendiam também “um sonho” e uma imagem com a qual as pessoas se identificavam. Como o fizeram? “Através das sessões fotográficas, da forma como falávamos com os clientes, com o cuidado que tínhamos com as embalagens e as etiquetas”, enumera Rita. “Tudo isso ajudou a que as pessoas criassem empatia com a nossa marca.”

A estética da marca – pautada pelos detalhes, folhos, motivos florais e mistura de padrões – é hoje inconfundível. Quase no lado oposto do espectro está a Latitid, que aposta num estilo mais sofisticado e sóbrio. A primeira colecção, em 2013, foi uma espécie de teste de mercado. As três sócias decidiram lançar um número exagerado de modelos, no total 100, sendo que entre aqueles, por vezes, variava apenas a cor. Assim perceberam rapidamente o que vendia ou não e puderam fazer os ajustes necessários. Teria sido mais fácil começar com uma colecção pequena, reconhece Inês Fonseca, mas assim, “se calhar não teríamos crescido o que crescemos”.

Em Lisboa, a marca nortenha tem uma loja no Príncipe Real, que está aberta sazonalmente e, este ano, abriu a segunda loja – que terá sempre as portas abertas –, no Porto. “Acredito muito em abrir lojas próprias”, diz Inês Fonseca, indicando que a Latitid ambiciona ter uma rede em Portugal e até eventualmente abrir alguma no estrangeiro. “Só assim é que as pessoas percebem o conceito e identidade da marca, muito mais do que online”, defende. Ao mesmo tempo, a marca quer apostar na exportação, que neste momento representa uma parte pequena do volume de vendas – este ano esperam chegar aos 500 mil euros em facturação.

O director-geral da ATP considera que o potencial deste sector deve-se sobretudo ao posicionamento das marcas em segmentos superiores ou premium. Afinal, o preço de venda ao público de algumas destas marcas ronda os 100 euros. “Algumas delas afirmaram-se muito bem porque conseguiram trabalhar bem um conceito e são fiéis a esse conceito – o que é essencial para afirmar qualquer proposta de marca.” Acrescenta ainda que estes segmentos altos, “embora mais seguros de manter”, implicam um esforço maior para alcançar.

Por outro lado, o responsável considera que o interesse que havia em biquínis e fatos de banho brasileiros importados – de uma gama mais baixa e vendidos sem marca – acabou por diminuir. O próprio Brasil “hoje não tem a mesma atracção enquanto destino turístico que tinha há 15 ou 20 anos”, contextualiza. “Diria que algum glamour se perdeu pelo caminho. Claramente aqueles negócios de ocasião foram-se perdendo. Não quer dizer que não continuem a existir, mas [esse segmento] deixou de ter o interesse que tinha antigamente.”

No que toca a uma gama mais baixa, o director-geral considera que são as grandes cadeias de marcas internacionais que se têm tornado mais atraentes ao consumidor jovem.

Da ideia para fábrica

Apesar de não faltarem fábricas no país a produzir biquínis de qualidade – quase exclusivamente para marcas estrangeiras –, as fundadoras da Cantê depararam-se com a dificuldade de encontrar uma que lhes fizesse os biquínis em escala menor e com cortes pouco convencionais para os padrões internacionais. Um obstáculo que também outras marcas, como a Latitid, tiveram de ultrapassar.

“Hoje em dia as fábricas estão muito mais mentalizadas para estes novos projectos”, garante Rita Soares. “Na nossa altura recebemos muitos ‘nãos’ – fábricas que diziam que, simplesmente, não trabalhavam com marcas portuguesas.” Foi a persistência que lhes abriu portas. “Começámos com uma confecção pequena, que fazia quantidades pequenas com preços mais elevados”, recorda Rita Soares. À medida que a Cantê foi crescendo, tiveram de mudar de estrutura e hoje trabalham com três fábricas, para uma produção anual que ronda as 20 mil peças.

Rita diz que alguns dos “nãos” mais construtivos foram pontapés para a frente: “Foi com esses conselhos que fomos conseguindo construir a marca.” Cresceram de forma orgânica, “sem dar passos maiores do que as pernas”. Todos os anos vendiam a colecção inteira e isso “era um ânimo para continuar”.

O designer Andrew Young – de origem costa-riquenha e escocesa – decidiu que para levar a sua marca de beachwear para a frente tinha de se mudar do Reino Unido para Portugal. “Tentei fazer swimwear em Inglaterra, mas lá não são muito bons [a produzir] – e é muito caro”, explica o fundador da Houndsditch. “Os únicos dois sítios onde se pode produzir boa moda na Europa é em Itália e Portugal e as únicas pessoas que me ajudaram, no início, foram alguns dos fornecedores portugueses.” Assim, foi estabelecendo contactos e acabou por fazer as malas em 2015 e desembarcar em Lisboa.

A personalização é a palavra-chave desta marca. Todos os modelos – tanto de homem, como de mulher – podem ser encomendados em três feitios diferentes. No caso delas, varia a amplitude do corte na parte de baixo e no caso deles o comprimento dos calções. Ainda assim, conta, conseguiu trabalhar bem com as fábricas para ter uma produção mais flexível à vontade dos clientes. Desde o início que foi essa a visão: “Queria fazer algo que fosse lindo e que se pudesse personalizar o mais possível.”

Uma marca mais adepta das tendências é a Bohemian Swimwear. Desde 2013, a sua fundadora, Erica Bettencourt, passou a ter os pés mais assentes na terra – mas não por completo, reconhece. Formada em design gráfico, trabalhava como assistente de bordo, surfava desde pequena e “andava sempre com modelos muito giros [de swimwear] que não havia em Portugal”, recorda. A certa altura, as amigas perguntavam-lhe por que não criava a sua própria marca. Foi o que fez.

O grande salto da Bohemian Swimwear aconteceu em 2015, quando passou de uma pequena produção, com costureiras, para uma escala maior, em fábricas portuguesas. Hoje que a marca já passou de “hobbie” – e se aproxima das 7000 unidades, em 2017 –, Erica continua a voar com a TAP: é em algumas paragens que consegue visitar produtores e encontrar diferentes estampas para os biquínis e fatos de banho. Apesar de nem sempre ter padrões exclusivos, encontra forma de os tornar únicos: “Compro-os na totalidade, para que não haja outras marcas com o mesmo”, revela.

Tirar o pé da areia

Com um caminho já consolidado, algumas das principais marcas de beachwear começam agora a avançar para novas frentes – que é como quem diz a tirar o pé da areia. É o caso da Cantê, que em Julho lançou a primeira colecção de lingerie, a My Intimate Cantê. A ideia já acompanhava as duas sócias desde os primeiros tempos da marca, mas não quiseram avançar antes de sentir que dominavam todos os processos relacionados com o produto principal.

A entrada na nova gama de produtos vai ajudar a empresa a quebrar alguma da sazonalidade inerente a qualquer marca de produtos para a praia. Ainda assim, Rita Soares garante que acabam por vender “biquínis e fatos de banho praticamente o ano inteiro”, na loja de Lisboa e no site. Claro que o volume de vendas não é o mesmo e o produto limita-se àquilo que foi lançado na colecção única de Verão.

Na loja que está prestes a abrir também no Príncipe Real, em Lisboa, a Papua está também a apostar na diversificação da oferta. Nuno Leitão, que criou a marca em parceria com a namorada, Marta Santos, em 2012, explica que será uma espécie de concept store. “Para além de ter a nossa marca, a loja vai permitir que outras marcas possam estar integradas a vender os seus produtos”, avança.

A loja vai estar aberta o ano inteiro e em 2018 a Papua começará a lançar colecções “fora da moda de praia”. Por enquanto, há pouco para divulgar – o anúncio será feito, à partida, em Outubro –, mas Nuno Leitão revela que a Papua vai ter uma colecção de Inverno para homem e mulher “com a mesma estética da marca”.

Paulo Vaz, da ATP, destaca a importância de “fugir à sazonalidade”, aumentando a oferta para produtos como aqueles já mencionados ou, por exemplo, roupa de ginásio. Têm duas formas de o fazer, identifica: “Ou começam a internacionalizar para mercados em contraciclo – por exemplo no hemisfério sul, onde porém há grande concorrência – ou encontram soluções que lhes permitam manter a estabilidade produtiva ao longo do ano.”

Quem já cá estava

Havendo um claro contraste com o passado, não quer isto dizer que o mercado de biquínis em Portugal estivesse totalmente deserto antes do virar da década. A Ekena Bay, por exemplo, existe desde 2005 e, sendo mais discreta em termos de comunicação, tem uma considerável rede de distribuição, com presença em cerca de 350 lojas de multimarca em Portugal e uma produção anual que ronda as 100 mil peças, de acordo com um dos sócios, Alberto Morais.

Este vê a concorrência com bons olhos e diz que a Ekena Bay se separa do resto, não só a nível de volume de produção, mas também por ter uma base de clientes mais larga. Por outras palavras, não se dirige apenas a uma camada mais jovem. “O nosso público segue-nos há muitos anos”, explica o co-fundador. A colecção está dividida em quatro linhas, pensadas para diferentes tipos de corpos e idades, incluindo tamanhos grandes.

Um dos maiores desafios para a marca, continua Alberto Morais, é estar atenta àquilo que se passa lá fora e conseguir reagir. “Com as novas tecnologias, o público hoje sabe o que acontece no mundo inteiro”, justifica.

Independentemente do tipo de público, o director-geral da ATP reforça que é nos segmentos de gama alta que as marcas de moda de praia devem posicionar-se. Paulo Vaz aponta casos de marcas portuguesas, num segmento de gama média ou média/alta, que desapareceram nos últimos anos e sugere que hoje são “aquelas que trabalham para muita alta gama” que têm potencial de crescimento.

O director-geral considera que não existe propriamente uma identidade de moda de praia portuguesa, mas que esta acaba por espelhar aquilo que se passa no resto do mundo, sobretudo em países vizinhos. “O que existe nos fatos de banho portugueses e marcas que estão a aparecer é uma clara orientação para o mercado”, diz.

Pode vir a afirmar-se um ADN de moda de banho português, como aconteceu com o Brasil? Alberto Morais comenta que será um cenário improvável, apontando para as características diferenciadoras desse país enquanto destino de praia, mas “resta saber se um dia será construído…”

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