Mota Amaral, a ensinar a experiência de uma vida política ímpar

É o recordista no exercício de funções públicas electivas em defesa de ideais democráticos. Afastado do Parlamento contra vontade própria, Mota Amaral dedica-se agora ao ensino na Universidade dos Açores.

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Hoje, com 74 anos, João Bosco Mota Amaral dedica-se à docência na Universidade dos Açores Enric Vives-Rubio
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Encontro em Março de 1983, entre os então presidente do Governo Regional dos Açores e primeiro-ministro, Mota Amaral e Pinto Balsemão Guilherme Venâncio/Lusa

De volta às suas ilhas, das quais verdadeiramente nunca se afastou, nem que fosse lá apenas ao fim-de-semana, João Bosco Mota Amaral dedica-se há dois anos a leccionar na Universidade dos Açores. “Desde que deixei de ser deputado [nas legislativas de 2015], a Universidade dos Açores gentilmente convidou-me para leccionar”, explica ao PÚBLICO aquele que é o político português vivo com uma mais longa carreira no desempenho de funções públicas electivas, num total de 46 anos, em que fez de tudo um pouco, sempre em defesa dos ideais democráticos.

João Bosco – como gosta e gostou sempre de ser tratado – reconhece que não saiu da política activa por vontade própria. Sobre as razões de, em 2015, não ter sido de novo candidato do PSD como número um da lista do partido no círculo eleitoral dos Açores à Assembleia da República, aponta o dedo à direcção actual do seu partido e não hesita em afirmar frontal: “Fui afastado, estou afastado, o PSD afastou-me das listas.”  

Longe da vida partidária – embora seja presidente honorário do PSD-Açores –, João Bosco esclarece que continua a viver, a sentir e a pensar a política. “Os políticos nunca se reformam”, garante e confessa continuar a “acompanhar a política nacional”. Tendo durante alguns momentos da sua vida exercido o papel de comentador político na comunicação social, retomou-o agora, semanalmente às quintas-feiras, na RTP-Açores, onde pode reflectir com base no seu currículo e experiência ímpares, adquiridos ao longo de quase cinco décadas e sempre em funções públicas, sem intervalos.

Entrou no Palácio de São Bento pela primeira vez em 1969. Aos 26 anos, já jurista, integrava então o grupo de activistas políticos que aceitou o convite de Marcello Caetano para se candidatar nas listas da Acção Nacional Popular (partido único no Estado Novo) e que ficou conhecido para história como Ala Liberal. Um conjunto de intelectuais liberais, alguns de perfil tecnocrático, eleitos com o estatuto de independentes, liderados por Francisco Sá Carneiro e onde pontuavam figuras como Miller Guerra, José Pedro Pinto Leite, Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão.

Logo a seguir ao 25 de Abril, a 6 de Maio de 1974, João Bosco Mota Amaral é um dos fundadores do PPD (Partido Popular Democrático), hoje PSD. Nas primeiras eleições livres, a 25 de Abril de 1975, encabeça a lista do PPD no círculo eleitoral dos Açores e é eleito deputado à Assembleia Constituinte.

Durante o ano em que o Parlamento elaborou a actual Constituição da República, em obediência aos cânones democráticos, João Bosco deu a cara pela fixação do perfil das regiões autónomas que acabou por vingar, participando activamente na elaboração dos respectivos artigos constitucionais. E, ao longo dos anos, quer à distância quer no próprio Parlamento, foi influenciando e trabalhando para o alargamento da autonomia regional entretanto conquistado.

Eleito de novo deputado em 1976, nas primeiras eleições legislativas, logo de seguida João Bosco suspende funções no Parlamento para tomar posse como presidente do Governo Regional dos Açores, um lugar que ocupará até 1995, sendo um dos políticos portugueses que mais tempo esteve no mesmo cargo em democracia, um total de 19 anos.

Demitindo-se para dar espaço a uma nova geração do PSD-Açores, regressa ao Palácio de São Bento, do qual nunca se tinha afastado formalmente, apenas suspendido sucessivamente os mandatos por desempenho de funções governativas na Região Autónoma. Deputado até 2015, foi eleito pelos seus pares presidente da Assembleia da República em 2002, cargo que desempenhou até 2005.

“Um político nunca se reforma”

Hoje, com 74 anos, João Bosco dedica-se aos alunos. “É uma Universidade pequena, com dimensão humana”, explica para caracterizar a escola onde ministra várias cadeiras do Curso de Estudos Euro-Atlânticos, entre elas, a de Ciência Política ou a de Autonomia e Insularidade na Europa Contemporânea.

Como docente convidado, sublinha, pode transmitir o conhecimento que foi adquirindo por ter tido “a possibilidade de observar ao vivo a evolução dos Açores no quadro da União Europeia”. E é com inegável orgulho e sem dúvidas que afirma: “Hoje, os Açores estão integrados na União Europeia”.

No próximo ano lectivo vai lançar e dirigir um projecto que propôs à direcção da Universidade e que foi aceite: “Um mestrado em Direito Internacional Público, centrado na temática sobre Fundamentos de Autonomia Constitucional e Direito Regional”.

Mas continuará a observar a política nacional e internacional, até porque – insiste mais de uma vez – “um político nunca se reforma”. E é com preocupação que adverte: “Há um ponto de interrogação sobre o que queremos para a Europa e para o mundo. Há forças que nos querem levar para o fundo. Vamos ver se encontramos um caminho. Talvez, após as eleições na Alemanha.”

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