Braga olha-se ao espelho. Quem quiser ver que traga um mapa
O Art-Map pediu a artistas de todo o mundo para “pensar barroco”. O resultado é uma espécie de rali pelas ruas e pelo património barroco de Braga.
Podemos começar pelo centro da cidade. Descemos a Rua do Souto, passamos pela Igreja da Misericórdia e encontramos as fachadas vermelhas do Museu da Imagem, quase colado ao Arco da Porta Nova. É apenas um dos locais onde Braga vai “Pensar Barroco” durante os próximos dois meses. Lá dentro está Alberto Vieira, escultor, que não gosta do termo, mas que tem várias obras espalhadas pela cidade durante este Art-Map.
O “mestre” - outro epíteto que lhe faz confusão - é um homem da casa. Mas é a primeira vez que vê um evento como o Art-Map a desmultiplicar-se por edifícios históricos do período barroco bracarense. A cidade conhece o evento ‘Braga Barroca’” mas esse, nota, “tem um carácter muito festivo”. Para Alberto Vieira, o que faltava a Braga era um evento deste tipo e aproveitar o momento para reflectir o papel de uma cidade que “nem sempre aproveita” o património que tem.
Antes de tudo, assinala, é importante desmistificar o Art-Map. “A ideia não é reproduzir barroco, longe disso. Não faz sentido. É importante, a partir do barroco, construir outra coisa, reinventar, reinterpretar”, considera. Por isso não se esperem cornucópias ou o dourado ostensivo em todas as 270 obras espalhadas por onze galerias, os checkpoints onde estão expostos trabalhos de 80 artistas, de diferentes latitudes, com diferentes reinterpretações do barroco.
O Art-Map surgiu como um projecto de mestrado de Madina Ziganshina na Universidade de Aveiro. Anos mais tarde chega a Braga. Aqui, começou no sábado passado, dia 22 de Julho. Na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva artistas de 21 nacionalidades diferentes partiram dali e marcharam pela cidade “em jeito de excursão”, guiados por Madina, a organizadora do evento. Mas já lá chegaremos.
Para Alberto Vieira, iniciativas como o Art-Map podem ser um complemento a um trabalho desenvolvido mais cedo. É que se é inequívoco que o roteiro pode incentivar o contacto do bracarense (ou do turista) com os edifícios barrocos que se construiram na cidade durante os séculos XVII e XVIII, esse trabalho também começa a ser preparado nas escolas. Alberto Vieira não precisa de ir muito longe para o mostrar. Aponta para o Arco da Porta Nova, obra de André Soares, que agora conta com um vitral, colocado ali há duas semanas.
O vitral em causa foi desenvolvido em contexto de aprendizagem com alunos do 12.º ano. “É quase um filho que tenho. Durante um ano lectivo, os alunos recolheram no Palácio do Raio, no Bom Jesus e na Sé de Braga elementos do barroco. Andaram esse período a trabalhar sobre o barroco e acabaram por entender o impacto que tem na cidade”, explica.
Uma das 11 galerias, que estão separadas entre si por uma distância a pé a rondar os três minutos, é a Galeria Privada Mestre Alberto Vieira - o “mestre” foi metido no nome pela organização, a contragosto do escultor. Caminhamos para lá. Antes, uma pequena paragem no Largo do Paço. Está em exposição uma obra solitária de Alberto Vieira. É um homem em forma de mala, que tem um significado “simples”, segundo o autor: “O interior da pessoa é que conta”.
Para o escultor, “a arte deve tornar as coisas mais simples”. E, nessa linha de pensamento, agradam-lhe iniciativas como o “Art-Map”, pelo papel que podem desempenhar na democratização da arte - a entrada nos 11 espaços é gratuita - e pela possibilidade de criação de nova narrativa, mais interventiva, a partir do barroco. Ele que, numa das suas criações, nos põe a espreitar por um canudo (como se faz para ver Braga, do Bom Jesus), para nos mostrar um recém-nascido a segurar num telemóvel. Sem legendas, que “a imagem, na arte, não precisa de explicação”, assinala.
Antes de apontar forças à própria galeria, que fica mais longe “para obrigar os turistas a subir” e fugir do centro, um desvio para o Palácio do Raio. Com um interior recentemente renovado, a “jóia da coroa” das edificações barrocas na cidade é mais um projecto de André Soares, no qual se destaca a imensa claraboia. Toda aquela luz espalha-se pela obra de sete artistas, entre eles o polaco Piotr Pandyra, que nos oferece uma obra que, vinca o nosso guia do momento, seria, no período barroco, cromaticamente “uma heresia”
O olhar de Madina
Por detrás do projecto, há um nome. Sim, só um. Braga recebe 270 trabalhos de 80 artistas do Dubai, Israel ou Cuba, para além de países de espaço europeu. São pinturas, esculturas, instalações, fotografia, vídeo arte, arte sonora e livros expostos até 9 de Setembro pela mão da portuguesa Madina Ziganshina.
Madina é nestes dias uma curadora empenhada em manter tudo em ordem. É uma tarefa complicada, mas à experiência de duas edições - uma em Ponte de Lima, outra em Aveiro -, junta o facto de estar a preparar a de Braga desde Agosto de 2016. Não conhecia a cidade: “Fiquei impressionada com o barroco, considerado um vestígio do passado, algo antigo, e pensei que podia revitalizá-lo na arte contemporânea e pôr os artistas a pensar barroco”, conta.
Já se entende bem com a cidade, rompe pelas ruas quentes e obstruídas pelos turistas que vão chegando, de galeria em galeria com facilidade. “Vamos por aqui”, vai dizendo à medida que encara intersecções. Tudo o que está dentro dos espaços foi pensado e colocado meticulosamente para criar harmonia. Uma das razões que atrai Madina e o Art-Map para cidades de pequena ou média dimensão, longe do Porto e Lisboa, é o facto de não estarem dependentes de listas de espera e existirem “galerias com excelentes condições para expor obras de todo o tipo”.
Foi na Biblioteca Lúcio Craveiro que a aventura começou. É para lá que se dirige. Está lá um dos melhores exemplos da simbiose do projecto com diferentes artistas, diferentes locais e diferentes culturas. A obra de Miguel Neves Oliveira ocupa uma sala da biblioteca. Não se estranhe, afinal é um barco. É o resultado das residências artísticas de Ílhavo, algumas podem ser vistas em Braga, muitas delas voltarão àquela região de Aveiro a partir de Outubro - o tema já não é o barroco, mas sim o mar.
Miguel Oliveira esteve nessa residência. Inspirou-se no local, perto da Gafanha da Nazaré, pegou no barco e desconstruiu-o. Agora está espalhado numa biblioteca. “Como o conceito aqui é pensar barroco, pintei e decorei-o”, vai dizendo enquanto aponta para a madeira pintada a laranja na parte de fora do barco. “Agora tem um propósito diferente, é essa a parte engraçada deste projecto”.
Estas reinterpretações e adaptações estão por todas as galerias. A Casa dos Crivos recebe dez artistas. Logo à entrada, a obra da britânica Marion Jones é, para Madina, um excelente exemplo das potencialidades do projecto. Chama-se Goldfish. É louça da Vista Alegre, decorada com linhas muito influenciadas pelo barroco, fracturada para que se assemelhe a bacalhaus. Por debaixo dos “bacalhaus”, há sal. Está feita a ligação entre Aveiro, Braga e até Portugal.
O rali artístico que Braga convida a fazer, conta com mais etapas: a Galeria da Estação, edifício Inatel, a Livraria 100ª Página e as Termas Romanas do Alto da Cividade. Será assim até 9 de Setembro.
Texto editado por Abel Coentrão