Um móvel só para o telefone

Era um lugar feito à medida para falar. Depois, veio o telemóvel que matou as mesinhas do telefone. Nesta série, olhamos para aquilo que foi substituído, eliminado ou transformado casa.

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Hoje quase desaparecida, a mesa de telefone foi em tempos um objecto massificado DR
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Hoje quase desaparecida, a mesa de telefone foi em tempos um objecto massificado DR
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Hoje quase desaparecida, a mesa de telefone foi em tempos um objecto massificado DR

Eram lindas, serpenteantes, e depois tornaram-se mais convencionais, quadradas ou modulares. Esta é a brevíssima história de um móvel que deu lugar a outro e que está intimamente ligada a uma das mais importantes invenções do século XIX e ao seu profundo impacto nas nossas casas, até se desligar delas: o telefone. E o telefone matou a conversadeira, uma cadeira dupla para falar cara a cara com o tal serpentear na forma, que deu depois lugar à mesa do telefone, até quase desaparecerem as duas num vórtice dentro dos nossos bolsos - é quando entra em cena o telemóvel.

Estavam na sala, na entrada ou no corredor e ali moraram durante décadas. Podiam ter o aspecto de um móvel único, um banco acoplado a uma estrutura um pouco mais elevada que lhe dava altura para suportar o aparelho telefónico ao nível dos braços, ou ser um conjunto - uma mesa alta acompanhada de um banco. “A mesa do telefone era muito corrente em Portugal”, confirma Rui Afonso Santos, historiador de design.

Tornou-se corriqueira nos anos 1960/70, embora nasça com o telefone. “Em Portugal, já nos anos 1930, um cartaz do [ilustrador e pintor Carlos] Botelho dizia ‘instale um telefone’ - também dava jeito para a PIDE ouvir as conversas”, tergiversa Afonso Santos. Mas só se identifica a mesa do telefone como uma peça quotidiana nos anos 1950 “nas casas das sociedades ocidentais” e, detalha o historiador, “na sociedade americana, onde é já um objecto kitsch” logo em meados do século XX. Kitsch ou não, “a mesa ou se colocava na sala, porque era também um símbolo de estatuto - ter telefone sempre foi caro -, ou no hall quando as casas ganharam átrios”. Mais tarde, em Portugal, explica Marta Cunha, responsável pela decoração de interiores do Ikea em Portugal, “a maior parte das pessoas guardava a mesinha do telefone na entrada”, por ser “uma zona de circulação” e também “para não perturbar a dinâmica da sala e da socialização”.

Foto
Carlos Botelho

Hoje quase desaparecida, a mesa de telefone foi em tempos um objecto massificado e é um exemplo da evolução tecnológica. Diferentes formatos criam a necessidade de novos suportes e geram hábitos diferentes. Mudam a forma de viver nas casas. Um telefone fixo torna um móvel de assento e sociabilização, como a conversaderia, em algo mais obsoleto. E os telemóveis retiram os telefones fixos das casas - apesar de terem regressado nos últimos anos, graças aos pacotes integrados de serviços de televisão, com 3,8 mihões lares portugueses ainda com telefone fixo em 2015, segundo dados da Anacom.

Uma vítima do telemóvel

Estes móveis também são sintomas das diferentes eras e estéticas que lhes deram corpo, e isso vê-se nas lojas vintage ou nos sites de classificados na internet. Há mesas de telefone que são “objectos belíssimos de design”, elogia Rui Afonso Santos. Futuristas, modernas, imitações barrocas, em madeira maciça ou tubo de metal, com estofo ou rígidas, as mesas de telefone eram tanto funcionais quanto decorativas. Tal e qual as suas antepassadas, as conversadeiras ou namoradeiras, os móveis do século XIX que vieram antes do telefone fixo, o ponto de encontro remoto na vida doméstica.

Ambos os móveis “têm na base a ideia de conversa, de comunicação, e se a mesa do telefone é ainda mais importante porque permite a conversa a longas distâncias”, destaca Rui Afonso Santos, “a conversadeira era um móvel de estatuto”. José Eduardo Agualusa descreve uma assim, em Um Estranho em Goa: “um móvel laborioso, com flores bordadas no lenho, assentos em palhinha trançada”.

A conversadeira “era um móvel palaciano, do II Império, um móvel social, de namoro” que passa para a história doméstica, recorda Afonso Santos. A versão mais comum faz-se de dois assentos, serpenteando numa peça de madeira para pôr dois interlocutores (quase) frente a frente. Mas existem conversadeiras de três ou quatro lugares, nota o especialista. Estão hoje em alguns museus, nas imagens do agregador Pinterest e nas lojas online. O mesmo acontece com a mesa do telefone, a que também chamam, em inglês, gossip bench (algo como “banco da coscuvilhice”).

Se há cem anos as conversadeiras foram trocadas pelas mesas do telefone, “no final dos anos 1990, a mesa do telefone já desapareceu”, situa o historiador. Os telefones tinham mudado. Colaram-se à parede, ganharam longos fios encaracolados ou botões quadrados que os miúdos dos anos 1980 e 90 adoravam marcar. Agora, são rectângulos espelhados nos bolsos, libertos dos fios que deram o seu lugar nas casas (que sim, ainda têm telefones fixos, e até dos de rodela ou imitações dos antigos em versão de plástico) a novos objectos ou até a espaços mais vazios. “A casa somos nós, tudo isto tem uma implicação directa na nossa vida”, diz Rui Afonso Santos, para quem “o próprio telemóvel, que não é prático para andar no bolso, também pode desaparecer”, substituído por um objecto mais pequeno, ou adaptado ao pulso.

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