O que vai mudar na Venezuela?
Os 545 deputados eleitos para a Assembleia Constituinte tomam posse nos próximos dias com a missão de desenharem uma nova Constituição para “aprofundar” o legado do chavismo, diz Maduro. A oposição fala em “auto-golpe de Estado”.
Quando é que a Assembleia Constituinte toma posse?
Nicolás Maduro não quer perder tempo e diz que pretende que a Assembleia Constituinte inaugure os seus trabalhos já esta semana. O decreto da convocatória diz que o órgão iniciará funções “nas 72 horas após o anúncio” dos candidatos que foram eleitos. A sede da Assembleia será o Salão Elíptico do Palácio Federal Legislativo, a divisão mais nobre do Parlamento – a Assembleia Nacional reúne no Hemiciclo das Sessões, noutra ala do mesmo edifício.
Quem é que foi eleito?
Em jogo estavam 545 lugares na Assembleia Constituinte, mas no domingo foram eleitos por sufrágio directo apenas 364 (um por cada município, dois para os municípios das capitais estaduais e sete para o município Libertador, o mais populoso de Caracas). Os restantes 181 são nomeados pelos organismos dos sectores sociais e profissionais indicados pelo Governo, como a comunidade indígena, camponeses, pensionistas, estudantes, etc. A oposição diz que este método favorece os candidatos apoiados pelo oficialismo, uma vez que os sindicatos e organizações sociais são muito próximas do regime. Os cerca de seis mil candidatos apresentaram-se em nome individual, e não conotados com qualquer partido. A Assembleia Constituinte não contará com qualquer deputado ou simpatizante da oposição, que decidiu boicotar as eleições para denunciar aquilo que diz ser um “auto-golpe de Estado”.
Durante quanto tempo irá estar em funções?
É uma incógnita. É a própria Assembleia Constituinte que irá elaborar as suas regras de funcionamento e essa deverá ser uma das primeiras decisões. Em 1999, quando foi convocada por Hugo Chávez para elaborar a Constituição ainda em vigor, a Assembleia Constituinte reuniu durante três meses e meio. Porém, as condições políticas e sociais da Venezuela são hoje muito diferentes. Alguns analistas prevêem que a sua vigência possa chegar a um ano.
Quais as suas competências?
Em teoria, a Assembleia Constituinte tem um poder quase ilimitado e sobrepõe-se mesmo à autoridade do Presidente – podendo, no limite, destituí-lo. A principal competência é elaborar uma nova Constituição que irá substituir a Carta Magna promovida por Hugo Chávez. Do ponto de vista de Nicolás Maduro, a convocatória de uma Assembleia Constituinte é uma oportunidade para fortalecer o seu controlo sobre várias instituições, mas sobretudo para consolidar o seu regime no poder.
Que mudanças irá trazer a nova Constituição?
Segundo Maduro, o objectivo é o de aprofundar o alcance da Constituição chavista, nomeadamente “a defesa dos direitos sagrados e das conquistas sociais”. Não se percebe bem o que isto implica, mas deverá passar por uma maior centralização do poder na figura do Presidente e dos órgãos controlados pelo regime, e um enfraquecimento das competências da Assembleia Nacional. Na mira de Maduro está também o poder judicial, especialmente o Ministério Público, que poderá ver a sua independência limitada. A procuradora-geral, Luisa Ortega, que se descreve como chavista, tornou-se num dos principais rostos da contestação a Maduro, depois de ter denunciado a “deriva autoritária” do Presidente venezuelano. O decreto de convocatória da Assembleia Constituinte refere a necessidade de “erradicar a impunidade” de quem comete “crimes contra a pátria”, entre os quais “a promoção do ódio social e da ingerência estrangeira”.
O que vai acontecer à Assembleia Nacional?
Enquanto a Assembleia Constituinte estiver em vigor, a Assembleia Nacional não tem poderes legislativos. Na verdade, nos últimos tempos, os deputados já tinham pouca margem de manobra, depois de, em Março, o Supremo Tribunal ter considerado que o órgão que detém o poder legislativo estava em “incumprimento” e lhe ter tirado os poderes. Maduro ainda recuou, mas a Assembleia Nacional viu a sua autoridade ferida de morte. A Constituinte pode mesmo acabar por dissolver o Parlamento e alterar o seu método de eleição.
Como irá responder a oposição?
Privada de armas institucionais, a oposição promete manter os protestos nas ruas das principais cidades do país e tenta mobilizar apoios internacionais. Se como prometeu Maduro a nova Constituição vier a ser referendada – não é certo que aconteça – é provável que a Mesa de Unidade Democrática monte uma campanha para tentar travar a sua aprovação.