Vai haver mais mudanças nas escolas mas ainda não é a revolução

Com a flexibilidade curricular restringida a projecto-piloto, a maior parte dos agrupamentos ainda não vai ter de pensar numa nova forma de ensinar.

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Pelo menos 160 escolas aderiram ao projecto-piloto de flexibilização curricular Rui Gaudêncio

A 2.ª fase dos exames nacionais do secundário acabou na segunda-feira. É tempo de férias para todos os alunos do ensino não superior e também para muitos dos seus professores. Aproveitando este fim de temporada, o PÚBLICO recorda aqui o que de novo vai trazer o ano lectivo que se iniciará em Setembro.

Flexibilidade curricular

O Ministério da Educação (ME) ainda não divulgou o número exacto das escolas que aderiram ao projecto de flexibilidade curricular, que será testado em forma de projecto-piloto durante o próximo ano lectivo, mas o PÚBLICO sabe que serão pelo menos 160, públicas e privadas. A ideia inicial do ME era a de fazer a revolução nas escolas com este projecto, mas a intervenção do Presidente da República e do primeiro-ministro levaram a que a sua aplicação ficasse restrita, para já, a um grupo de escolas. 

Haverá duas novas cadeiras, Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação, e as escolas poderão gerir, como entenderem, até 25% da carga horária inscritas nas matrizes curriculares. Poderão por exemplo passar disciplinas anuais a semestrais, fundi-las, ou redistribuir a carga horária das mesmas, promovendo tempo de trabalho interdisciplinar. Poderão também criar novas disciplinas. Eos conteúdos leccionados passarão a estar norteados pelas chamadas aprendizagens essenciais, uma espécie de novas metas curriculares onde se elenca o que os alunos devem saber em cada disciplina.

“Tudo o que for para promover a autonomia das escolas é importante”, comenta o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, que espera agora que a mudança também se reflicta nos hábitos da administração central para que não se repita o que tem sido a norma: “Legalmente dá-se autonomia às escolas para desenvolver projectos mas depois aparece a Inspecção-Geral da Educação e Ciência a questionar as opções adoptadas pelos estabelecimentos de ensino”.   

O Agrupamento de Escolas de Cinfães, de que é director, decidiu não participar neste projecto, devido sobretudo à grande mobilidade de professores. Como têm muitos contratados, quase “metade dos professores muda anualmente”, o que não se compagina com as alterações da forma de ensinar que estão previstas.

Para o investigador e especialista em Educação da Universidade Católica, Joaquim Azevedo, as mudanças previstas “são, mais cedo ou mais tarde, inevitáveis”. “Tenho estado em algumas escolas [que aderiram ao projecto] e tenho constatado dificuldades, mas nada que não se possa ultrapassar". Mas para concretizar esta visão optimista, acrescenta, vão ser precisos “recursos adicionais, pessoas experientes e financiamento, seja para a formação [de professores], seja para o acompanhamento e avaliação, seja ainda para a capacitação dos directores e das lideranças pedagógicas intermédias".

E depois é preciso contar com esse obstáculo maior que é a resistência à mudança. “As rotinas instaladas são poderosas e na hora de colocar de pé uma escola mais motivadora e promotora do sucesso escolar de todos e de cada um, isso cria muitas dificuldades na concretização dos novos projectos, como se houvesse uma mó que nos prende atrás enquanto queremos seguir em frente”, diz Joaquim Azevedo. Que dá conta também do seguinte: “O drama existe quando os directores e professores nos dizem que já há muito que fazem isto que agora se quer realizar e, de uma penada, prosseguem a execução do projecto, a fazer o que é (seria) novo como sempre fizeram o que é (efectivamente) velho, normalizador e ineficaz”.

Falar de aborto nas escolas

Mais de oito mil pessoas assinaram uma petição no ano passado contra a possibilidade de se abordar a temática da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no 2.º ciclo, frequentado por alunos entre os 10 e os 12 anos de idade. O texto final do novo Referencial da Educação para a Saúde, que passará a nortear as escolas neste domínio, acolheu esta proposta e adiou a temática para o 3.º ciclo, onde os alunos têm em média entre 12 e 15 anos. Este novo guia vai juntar-se aos seis referenciais já existentes para áreas tão distintas como a educação para os media, rodoviária ou financeira. 

Horários do 1.º ciclo

Foi uma das “conquistas” dos sindicatos de professores nas negociações que mantiveram com o ME até Junho passado. À semelhança do que acontecia antes de Nuno Crato, os intervalos do 1.º ciclo, com excepção do período de almoço, vão voltar a contar como tempo de aulas dos docentes. No total são 2h30 por semana que, segundo a Federação Nacional de Professores, acresciam às 25 de componente lectiva atribuída por lei aos professores do 1.º ciclo. Ou seja, segundo os sindicatos, a medida agora adoptada não se irá traduzir numa redução do tempo de aulas, mas sim na reposição do horário “legal” dos docentes.   

Por determinação do ME, serão as escolas a decidir o que fazer com aquele tempo suplementar que era garantido pelos seus docentes, com uma condição: não podem contratar mais professores, nem pagar horas extraordinárias. Esta é um das dificuldades que o presidente da ANDE, Manuel Pereira, está a sentir no seu agrupamento. Por agora ainda não decidiram o que fazer.

Em declarações anteriores à imprensa, o presidente da Associação de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, mostrou-se convicto de que a maioria das escolas iria optar por prolongar o intervalo de almoço por mais 30 minutos. Podem também decidir terminar as aulas mais cedo (15h30 em vez de 16 horas). As escolas continuarão abertas até às 17h30, sendo o tempo posterior às aulas ocupado pelas Actividades de Enriquecimento Curricular.

Manuais gratuitos 

Todos os 320 mil alunos do 1.º ciclo que estão em escolas públicas vão ter manuais gratuitos no próximo ano lectivo. O custo desta medida está avaliado em 12 milhões de euros. No programa do Governo apontava-se para a “progressiva gratuitidade” dos manuais escolares. Esta medida começou a ser aplicada no último ano lectivo, tendo como destinatários os alunos do 1.º ano de escolaridade. Os estudantes do ensino particular também foram abrangidos, mas o alargamento do programa já não os inclui. No final do ano lectivo, os manuais têm de ser devolvidos às escolas.

Turmas mais pequenas

A redução gradual do número de alunos por turma faz parte dos objectivos traçados no programa do Governo e vai começar a ser posta em prática no próximo ano lectivo, mas só nas escolas consideradas como sendo Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e nestas apenas nos anos iniciais de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos). O ME não divulgou ainda o número de turmas que será abrangido por esta medida.

Nestas escolas, que estão inseridas em contextos desfavorecidos, o número máximo de alunos por turma passará a ser o que estava em vigor antes das alterações introduzidas em 2013 por Nuno Crato. Assim, no 1.º ciclo o número de alunos passará de 26 para 24 e nos restantes ciclos baixará de 30 para 28.

O ME já indicou que o objectivo é alargar a redução do número de alunos por turma às outras escolas, mas esta expansão não está calendarizada. Este é um dos cavalos de batalha da esquerda parlamentar, que quer também que a redução seja muito mais significativa do que aquela que vai ser aplicada.

O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, admitiu no Parlamento que o modo como se faria a redução do número de alunos por turma estava dependente do impacto financeiro da medida. O estudo realizado com este fim não foi divulgado, mas ao restringir a medida às escolas TEIP o ME reduz o encargo financeiro daí decorrente já que o alargamento desta redução se traduzirá na existência de mais turmas e na necessidade de contratar muitos mais professores.  

Férias na pré-escolar

É outra das “conquistas” dos sindicatos de professores. Pela primeira vez desde 2002, o calendário da educação pré-escolar vai passar a estar harmonizado com os dos outros níveis de ensino. Isto quer dizer que a educação pré-escolar vai começar a ter férias de Natal, de Carnaval e Páscoa e que terminará as suas actividades uma semana mais cedo. 

No despacho que determina o novo calendário, o ME refere que “durante os períodos de interrupção das actividades educativas e após o final do ano lectivo devem ser adoptadas medidas organizativas adequadas, em estreita articulação com as famílias e as autarquias, de modo a garantir o atendimento das crianças”. O ME já garantiu que está a trabalhar nesse sentido com os municípios, mas por agora não se conhecem quais são as alternativas para a ocupação das crianças, o que só deverá acontecer em Setembro, quando do início do próximo ano lectivo.

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