Racismo e xenofobia, o silêncio de chumbo
Há evidências que tornam cristalino como é profundo o racismo em Portugal.
Na terça-feira, o constitucionalista e presidente da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Pedro Bacelar de Vasconcelos, fez importantíssimas declarações ao PÚBLICO. Denunciava este deputado, com um sólido percurso na defesa dos direitos humanos, o facto de os dirigentes institucionais, políticos e partidários terem ficado calados perante a notícia da existência de uma investigação do Ministério Público a 18 agentes policiais da esquadra de Alfragide, sob suspeita de terem torturado seis jovens da Cova da Moura, motivados por preconceito racista.
Bacelar de Vasconcelos classificou como "chocante" não ter havido "uma rejeição clara e inequívoca" por parte de nenhum responsável institucional ou político da suspeita de racismo, já que esta suspeita instala "uma dúvida" incompatível com a ordem democrática e o Estado de direito. De facto, nenhum responsável político e institucional abriu a boca para questionar e exigir responsabilidades sobre este caso. A começar pela ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que tutela a PSP, tendo, por isso, a obrigação de se pronunciar sobre a eventual existência de um atentado contra os direitos humanos de ordem racista numa esquadra de polícia.
Nem de propósito, na véspera, o jornal i publicava uma entrevista com André Ventura, candidato da coligação entre o PSD e o CDS à Câmara de Loures. Na entrevista, o candidato fazia afirmações de teor racista, mesmo xenófobo, estigmatizantes dos ciganos. Sem qualquer filtro ditado por uma cultura sobre direitos humanos, Ventura reproduzia uma série de acusações discriminatórias em relação aos ciganos.
Desta vez, o silêncio não imperou e o caso deu polémica. O BE apresentou queixa à Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial. A presidente do CDS, Assunção Cristas, retirou o apoio político ao candidato e rompeu a coligação em Loures. Apenas o PSD manteve o apoio partidário à candidatura de Ventura. Apesar de Teresa Leal Coelho (vice-presidente do partido) e Pedro Duarte (candidato autárquico) se terem demarcado das declarações de Ventura, o líder do partido, Passos Coelho, fez questão de considerar serem suficientes as explicações dadas pelo seu candidato — ou seja, aceitou como boa a reprodução dos mesmos princípios discriminatório dos ciganos com que Ventura se foi atolando durante a semana, em diferentes tons e com variadas intensidades.
É uma banalidade alertar para a complexidade quer do racismo, quer da xenofobia. É-o também sublinhar que os preconceitos em relação aos negros e aos ciganos se exprimem e concretizam na acção prática de forma diversa. Mas, na essência, comungam do princípio de rejeitar e excluir os que são considerados "estranhos" ao direito a tratamento igual. Por outro lado, a complexidade desta questão comporta também a realidade de que há, entre membros das minorias étnicas, uma mentalidade social que potencia o medo e a auto-exclusão.
Mas há evidências que tornam cristalino como é profundo o racismo em Portugal — por mais dissimulado que seja. Um delas é a exclusão social quer de negros, quer de ciganos. Num país com cinco séculos de império colonial em todos os continentes, continuamos a ter uma estrutura social guetizante das minorias étnicas. O espelho disso é a ocupação urbana com bairros destinados aos etnicamente diferentes, assim como a existência de uma população universitária esmagadoramente constituída por brancos. E, claro, um Parlamento no qual se contam pelos dedos, ao longo de 40 anos de democracia, os eleitos cuja origem étnica não é dominantemente europeia.
O racismo e a xenofobia existem em Portugal e alimentam-se de um silêncio de chumbo. É isso que explica a conivência do líder do PSD em relação ao seu candidato em Loures. Mas explica também o silêncio assustador que se impôs perante uma investigação que acusa o próprio Estado, através de agentes das suas forças de segurança, de atentarem contra os direitos humanos por motivos racistas.