Um país surreal
O que a Venezuela precisa, e depressa, é de se livrar de Maduro e de conseguir um governo respeitado e respeitável.
Ontem a Venezuela viveu mais um dia da sua estranha relação com a democracia. O Governo de Nicolas Maduro quis testar a sua popularidade e convocou um simulacro da votação que está prevista decorrer de forma real daqui a duas semanas. Ao mesmo tempo, a oposição marcou uma consulta popular, sem valor legal, para saber a opinião da população sobre a votação que aí vem.
Não fosse a tragédia em pano de fundo e o que se passou ontem seria quase hilariante. A Venezuela teima em não conseguir ser uma democracia e insiste em renegar um passado que fez dela a economia mais pujante da América do Sul.
Hoje só há razões para lamentar o percurso começado com Hugo Chávez ainda antes de terminar o século XX, apesar de o seu sucesso original ter sido saudado como uma feliz alvorada pelo contingente de extrema-esquerda que se revê nos populismos de ocasião.
E é sempre bom recordar que ainda em Abril, no Parlamento português, o PCP e o PEV (ou seja, apenas o PCP) decidiram votar contra uma resolução que condenava a deriva ditatorial em Caracas.
Há duas semanas o Governo voltou a aumentar o salário mínimo, o que fez nada por um país em descontrolo absoluto. O Fundo Monetário Internacional estima a inflação em 720% e um cabaz de mercearia básico anda pelo preço de cinco salários mínimos, tornando a fome uma realidade de todos os dias. Os mais de cem dias de protestos contínuos nas ruas já foram manchados por mais de cem mortes — e as manifestações que começaram por ser da classe média já se alastraram também à base de apoio chavista tradicional.
E é neste país surreal que se discutem referendos, assembleias constituintes, magnas cartas e revoluções bolivarianas. Independentemente dos resultados de ontem e de mais uma qualquer fuga para a frente deste Governo, já não restam grandes dúvidas sobre o fim iminente do sonho chavista e de Maduro. O que a Venezuela precisa, e depressa, é de se livrar de Maduro e de conseguir um governo respeitado e respeitável — para poder atrair a ajuda internacional que é essencial de forma a garantir alguma viabilidade financeira a um país que está na falência e a um governo que condena os seus cidadãos à fome.
Há muito trabalho para fazer que só pode começar quando o Presidente venezuelano cair. Que seja depressa.