Mais um fim-de-semana sem Painéis de São Vicente e com 80% do Museu de Arte Antiga fechado

Tutela garante que reforço de vigilantes chega ao museu já na terça-feira. Mas o problema estende-se a todos os equipamentos da Direcção-Geral do Património Cultural.

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As galerias de pintura e escultura portuguesas também fechavam entre as 12h e as 15h durante a semana NFS

Ir ao Louvre e não ver Mona Lisa, estar no Prado sem As Meninas, percorrer o Rainha Sofia e não encontrar Guernica, entrar no Pergamon e não poder subir a escadaria do altar dedicado a Zeus, atravessar as galerias do Rijksmuseum sem chegar a olhar de frente para A Ronda da Noite. Isto é o que aconteceria se cinco dos mais importantes museus europeus tivessem as jóias das suas colecções inacessíveis ao público. Isto é o que acontece hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, quando a falta de vigilantes obriga o museu a ter fechadas mais de 80% das salas ao fim-de-semana, vedando o acesso dos visitantes a três das obras mais icónicas das nove mil que tem em exposição – os Painéis de S. Vicente, a sua imagem de marca e a mais célebre das pinturas portuguesas, a Custódia de Belém, peça que nos lembra que Gil Vicente foi ourives do rei D. Manuel I, e os Biombos Namban, “filme” da chegada das naus portuguesas ao porto de Nagasáqui há quase 500 anos.

A falta de vigilantes que tem afectado o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) tornou-se mais drástica nas últimas semanas já que num período naturalmente mais difícil de gerir devido às férias dos funcionários se somaram oito baixas médicas, uma “situação atípica”, segundo a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que tutela este que é um dos mais relevantes museus portugueses.

O MNAA viu-se assim obrigado a trabalhar apenas com metade dos seus vigilantes (ao todo tem 25 no quadro e mais cinco cedidos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional) e a fechar a maioria dos espaços – nos fins-de-semana desde 1 de Julho, assim como à hora de almoço durante a semana, tem tido abertas apenas 14 das suas 80 salas. Uma situação que se deverá agora alterar: a DGPC veio já garantir que o concurso para contratações externas, aberto com carácter de urgência há dez dias, está concluído. A partir da próxima terça-feira, o museu passa a contar com mais seis vigilantes-recepcionistas, cinco via concurso e um cedido pelo Museu Nacional dos Coches, segundo a Lusa. Ficarão até 18 de Agosto, data em que serão reavaliadas as necessidades do museu e se decidirá quantos verão o seu contrato prolongado.

O PÚBLICO procurou saber junto do director do MNAA que impacto terá a chegada dos novos funcionários, mas António Filipe Pimentel preferiu não comentar a situação no museu. É seguro dizer, no entanto, que permitirá reabrir algumas salas, mas não devolverá ao visitante o circuito habitual, já que há 15 funcionários fora e o reforço é de seis.

Desde 1 de Julho que o museu faz saber através do seu site que está “parcialmente encerrado” e que, por esse motivo, a entrada tem um desconto de 50%. Até aqui, entre terça e sexta-feira, os pisos 1 (artes decorativas europeias e mobiliário português) e 2 (ourivesaria e arte da expansão, entre outros, núcleos particularmente procurados pelos visitantes e “casa” da Custódia de Belém e dos Biombos Namban) fecharam por completo durante todo o horário de funcionamento do museu (10h-18h), ao passo que o terceiro piso, que tem 16 salas consagradas à pintura e à escultura portuguesas e reabriu no ano passado depois de um longo período em obras, encerrou entre as 12h e as 15h. Só a exposição temporária Madonna. Tesouros dos Museus do Vaticano (até 10 de Setembro) não foi afectada.

Uma situação que se arrasta

A falta de vigilantes em Arte Antiga arrasta-se há anos – em 1987 o museu tinha 50 e menos nove salas, hoje tem 30 – e já instalou alguma tensão entre o seu director e o Ministério da Cultura de Luís Filipe Castro Mendes. Em Setembro do ano passado, Pimentel foi convidado a falar na Escola de Quadros do CDS-PP e defendeu que a falta de pessoal poderia vir a conduzir a uma “calamidade” no MNAA. Dois meses depois, um turista derrubou uma escultura do arcanjo São Miguel na galeria do barroco e, ainda que o director insistisse que se tratou de um acidente, não faltou quem o relacionasse com o problema da vigilância.

José Alberto Ribeiro, director do Palácio Nacional da Ajuda e presidente da secção portuguesa do Conselho Internacional dos Museus (ICOM), diz que a situação em Arte Antiga é séria, mas lembra que está muito longe de ser exclusiva daquele museu. “Não conheço nenhum director de museu ou monumento da administração central que esteja satisfeito com o número de vigilantes que tem. As equipas são tão pequenas que basta um ter uma dor de dentes e faltar para termos de mexer na escala, que já de si é complicadíssima de fazer”, explica Ribeiro. “Isto obriga a uma gestão quase diária dos vigilantes e é altamente angustiante para os directores”, que se têm visto confrontados com uma pressão crescente de públicos, “muito boa, mas que traz alguns problemas”.

Na Ajuda, José Alberto Ribeiro conta com 16 vigilantes (13 do quadro, três do instituto de emprego, que podem recusar-se a trabalhar aos fins-de-semana e fora do horário normal de funcionamento) para 42 espaços. A situação no palácio “está controlada”, mas o “ideal”, para que não tivesse de fechar uma ou outra sala à hora de almoço ou “fazer muita ginástica” sempre que há exposições temporárias ou eventos fora de horas, era que contasse com 20.

O problema, explica este conservador que conhece muito bem a realidade dos museus e monumentos nacionais, deve-se ao facto de, nos últimos anos, muitos dos vigilantes dos equipamentos da DGPC se terem reformado sem que haja possibilidade de os substituir porque os quadros estão “congelados”. Dentro de cinco ou seis anos, aliás, a situação que hoje já é “extremamente difícil de gerir” vai agravar-se porque há uma nova leva a passar à reforma.

“É muito complicado e, uma vez mais digo, não é só em Arte Antiga. É preciso soluções duradouras. Nenhum director fecha salas de ânimo leve, nenhum director quer esconder o que tem para mostrar.”

Acrescentos pontuais

Luís Filipe Castro Mendes já tinha garantido este ano mais três vigilantes para o MNAA, mas este reforço, ao que o PÚBLICO apurou, coincidiu com a perda de três seguranças externos. O ministro da Cultura reconhece o problema, mas tem sido obrigado a lidar com os quadros de pessoal fechados, como aliás aconteceu aos seus antecessores nos últimos anos.

Ana Alcoforado, directora do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra, fala de um “problema transversal”, “constante”, que se nota mais nuns períodos do que noutros, mas que obriga a fechar uma ou outra sala ao almoço com frequência. Isto também porque alguns vigilantes deste museu de Coimbra, explica, cumprem ainda funções no serviço educativo, fazendo visitas guiadas.

“As pessoas que nos chegam através do Instituto de Emprego são uma ajuda muito boa, mas não resolvem o problema”, defende a directora. Este reforço do MNAA, provisório, também não, acrescenta. O Machado de Castro recebeu este ano mais dois vigilantes, tendo neste momento 20 (14 do quadro e seis com contrato a termo), mas isso não lhe permite ter o museu aberto de terça-feira de manhã a domingo à tarde. Encerra às segundas, como os outros museus públicos, mas só abre às 14h de terça.

Idealmente, Alcoforado teria mais seis vigilantes. A casa que dirige tem espaços muito diversificados. De um lado as salas da residência episcopal, mais contidas, do outro galerias amplas que exigem  dois ou mais vigilantes (ao todo são cerca de 40 núcleos). E depois há ainda o criptopórtico sobre o qual o museu assenta, com 1600 m2.

“É preciso uma estratégia que nos permita fazer crescer estes quadros de forma mais adaptada ao que precisamos para não andarmos sempre aflitos, de coração nas mãos, a decidir o que fechamos hoje. Sei que é difícil e tem havido um esforço, mas a situação não se resolve com acrescentos pontuais.”

Como será o resto do Verão no MNAA e nos outros museus? E o próximo?

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