Rocha Andrade não afasta “as culpas do PS” pelas amnistias fiscais

Decisões dos governos de Sócrates e Passos deixam o fisco sem informação revelante, critica o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais demissionário.

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Rocha Andrade esteve nesta terça-feira no Parlamento, já como governante demissionário LUSA/TIAGO PETINGA

Não é a primeira vez que um governante responsável pela pasta dos assuntos fiscais critica os contornos dos RERT – os regimes de regularização de capitais colocados no estrangeiro. Desta vez, foi Fernando Rocha Andrade, já demissionário, a fazê-lo no Parlamento, criticando tanto o PSD e o CDS como o próprio partido a que pertence, o PS, pela responsabilidade dos três partidos na aprovação de amnistias fiscais que deixam hoje o fisco de pés e mãos atadas no controlo destes capitais.

O assunto surgiu no meio de um dos últimos actos públicos do secretário de Estado demissionário – uma audição parlamentar sobre a exclusão de Uruguai, Jersey e Ilha de Man da “lista negra” dos paraísos fiscais. Como todos os RERT (2005, 2010 e 2012) prevêem que a declaração de regularização tributária guardada no Banco de Portugal (BdP) não pode ser utilizada como indício para qualquer procedimento tributário relacionado com os factos e os rendimentos declarados, o fisco fica impedido de aceder a informação para poder investigar contribuintes.

Para o ainda secretário de Estado, isso retira hoje margem de manobra ao fisco nas suas investigações, porque os RERT se basearam “na ocultação da informação relevante”. A afirmação serviu, primeiro, para lançar uma crítica ao anterior Governo: a situação é “ainda mais oculta no último [RERT] porque não havia a obrigação de repatriamento dos capitais colocados no estrangeiro”. E de seguida vieram as críticas ao Partido Socialista: “Não quero aqui afastar as culpas que o PS também tem [nesta matéria]”.

Houve três RERT em Portugal nos últimos anos: dois no Governo de José Sócrates (2005 e 2010) e um no Governo de coligação de Pedro Passos Coelho (2012). Nos dois primeiros, a taxa sobre os patrimónios regularizados (depósitos, valores mobiliários ou instrumentos financeiros) era de 5%. No último regime, a taxa foi de 7,5%, não obrigando ao repatriamento dos capitais.

Um exemplo: se a Autoridade Tributária detectar que alguém tem ocultos no estrangeiro dez milhões de euros, a administração fiscal não consegue saber se esses dez milhões são os valores regularizados num RERT ou se são outros dez milhões, não conseguindo validar se está ou não a deixar de tributar património. “Nunca foi possível à AT confirmar” se os valores que pretende tributar correspondem ou não aos valores já regularizados ao abrigo dos RERT I, II e III. Isso é “uma grilheta no que toca à nossa capacidade de pedir informação”, defendeu.

Ao Parlamento, Rocha Andrade deixou uma proposta, para que os deputados ponderem “a possibilidade de, respeitando a não tributação dos valores em que houve pagamentos, determinar o acesso a essa informação por parte da AT”.

Já em 2015 o fiscalista Sérgio Vasques, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo do PS, reconheceu no Parlamento que as amnistias fiscais dão aos contribuintes “um sinal perverso”, assumindo que foi a pressão para obter receita a determinar a decisão de lançar o RERT.

A lista dos paraísos

A falta de partilha de informação entre o Banco de Portugal e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no controlo das transferências para offshores foi um dos tópicos abordados em Lisboa a 22 e 23 de Junho pela missão da comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers. Um dos temas levantados foi precisamente a questão de a declaração de regularização tributária (que fica guardada em arquivo durante pelo menos dez anos no Banco de Portugal) ficar sujeita a sigilo.

Se a audição não passou ao lado da saída de Rocha Andrade do Governo, o tema central foi a exclusão do Uruguai, Jersey e Ilha de Man da “lista negra” dos paraísos fiscais, contestada pelo PSD e CDS. A decisão, insistiu o governante, foi política, baseada numa ponderação global dos critérios previstos na Lei Geral Tributária (no artigo 63.º-D).

Para o director do Centro de Estudos Fiscais (CEF), João Pedro Santos, ouvido no Parlamento antes do governante, a lei estabelece um conjunto de balizas, criando o dever de “ponderar esses factores”, mas não estabelece nenhum peso a cada um desses critérios, pelo que há “aqui alguma discricionariedade”.

Rocha Andrade veio depois carregar nas críticas ao PSD e CDS, dizendo que foram mudando de argumentos à medida que a discussão avançou de semana para semana. E chegou mesmo a acusar ao anterior Governo de mentir a alguns países por dizer “que tirava e depois não tirava” territórios da lista. A acusação levou a presidente da comissão parlamentar, a deputada do PSD Teresa Leal Coelho, a intervir, considerando a declaração “alarmista” e “excessivamente lesiva do interesse nacional” porque muitos desses parceiros ficariam a saber, por telegramas das embaixadas, o que ali se dissera. Nesta quarta-feira, o tema volta ao Parlamento, agora para ouvir o ministro Mário Centeno.

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