A 12 de Fevereiro de 1947, menos de dois anos depois do fim da II Guerra Mundial, um costureiro quase desconhecido de 42 anos lançou a primeira colecção com o seu nome. No passado, Christian Dior só conhecera um parco sucesso mas nesse dia, nos salões perfumados do seu estúdio na Avenue Montaigne, fez história.
Os designs que apresentou nesse desfile inaugural eram significativos neles próprios e fora deles: depois de anos de guerra e ocupação — quando, para dizer o mínimo, o utilitarismo suplantou a beleza — aqui estavam, enfim, designs extravagantes que celebravam a decadência e a sensualidade, um eco dos dias gloriosos da Belle Époque e dos Ballets Russes.
Porém, independentemente das roupas, o que aconteceu foi um momento crucial no reiventar e reconstruir da cultura francesa depois da total destruição da II Guerra. Christian Dior era um designer de moda, mas também foi um dos principais arquitectos da ascenção da França pós-guerra, que guiou a sua passagem da miséria à majestade.
Este é o argumento de Dior: Costureiro de Sonhos, que abriu no Museu de Artes Decorativas de Paris, a maior retrospectiva do designer e da lendária maison de couture que fundou no final dos anos de 1940. Está patente até 7 de Janeiro de 2018.
Num dos seus níveis de leitura, a exposição é uma monumental homenagem às criações de Dior — as que o próprio designer criou nos anos 1940 e 1950 — e às luminárias que tomaram conta da casa depois da sua morte, em 1957: o seu aprendiz Yves Saint Laurent, e nas décadas mais recentes Gianfranco Ferré e Raf Simons.
Mas noutro nível de leitura, esta grande exposição não é tanto sobre moda mas sobre a redefinição de um país e da sua cultura através da moda.
“[Christian Dior] não era um revolucionário”, diz a historiadora de moda Florence Muller, uma das curadoras da exposição. “Ele era um reaccionário, que reinventou o orgulho nacional depois de um período terrível”.
Em Fevereiro de 1947, a França ainda era um lugar sombrio: a maior parte do país que tinha sido reduzida a escombros ainda não tinha sido reconstruída, a economia nacional estava ainda em depressão, e muita gente continuou a sobreviver de rações até 1949. O glamour e a actividade intelectual que caracterizaram a vida parisiense nos inebriantes anos de 1920 e 1930 tinham desaparecido completamente, com Nova Iorque a tornar-se gradualmente a nova capital cultural do mundo ocidental.
Chega o “New Look”, o nome da colecção inaugural de Dior, dado por Carmel Snow, que era então a editora da revista Harper’s Bazaar.
Na sua auto-biografia, Dior descreverá o seu projecto: “Em Dezembro de 1946, em resultado da guerra e dos uniformes, as mulheres ainda se assemelhavam, e vestiam-se, como amazonas.” “Mas eu desenhei roupas para mulheres- flor, com ombros redondos, bustos femininos, e cinturas que se podiam envolver com as mãos sobre enormes saias”.
Varinha mágica
A ideia, dizem os historiadores da moda, era recuperar o sentido da fantasia. “O que ele fez foi criar um espaço de beleza”, diz Laurence Benaïm, autor de vários livros de sucesso sobre Dior e o seu legado. “Ele reinventou o gosto pela sedução. Para mim, Christian Dior vem sempre em primeiro lugar, com a sua varinha mágica. Ele criou um mundo”.
No centro desse mundo estava o icónico tailleur "Bar”, em homenagem ao bar do Hotel Plaza Athénée, do outro lado da rua, a uma dezena de metros da sede da Dior na Montaigne. Antes como agora, era um dos lugares mais na moda da cidade. Com um casaco branco em shantung — uma seda natural que revela a ocasional impureza da matéria prima —, o fato inclui uma saia plissada em lã que desce abaixo do joelho.
Muller diz que o fato “Bar” se tornou um símbolo poderoso porque a pequena cintura naqueles contrastes rígidos eram o exacto oposto do monótono estilo masculino em voga na época. “No mundo da moda, é muito raro haver um choque tão profundo e tão duradouro”, diz Muller.
Claro que nem todos gostaram do design — ou da imagem idealizada da feminilidade que a acompanhava. Quando Dior foi a Chicado, nos Estados Unidos, promover o “New Look” no final de 1947, algumas americanas receberam-no com este letreiro: “Sr. Dior, abominamos vestidos até aos pés”.
O tailleur “Bar” evoluiu desde então, e a mais recente intervenção, da autoria da directora criativa da marca, Grazia Chiruri, tem uma T-shirt que diz “Todos devemos ser feministas”, uma referência ao ensaio da escritora nigeriana Chimamanda Adichie. O livro está na exposição.
Benaïm e Muller usam o mesmo argumento sobre o designer: não haveria Paris hoje sem Christian Dior.
“Ele voltou a dar a Paris o papel de definir o que é o gosto e a elegância”, concluiu Muller.