Tancos? E o Parlamento?
O Parlamento vai discutir as armas roubadas. Mas não discute a casa em que vive, a insegurança em que se encontra.
Os últimos dias foram fartos em notícias sobre o desaparecimento de armamento do Campo Militar de Tancos. A situação merece análise, precisa de atenção e é delicada. Talvez por isso, quando vejo os dirigentes políticos a espernearem sobre a matéria fique com os nervos em pé, ponderando se merecemos o pessoal partidário que temos, se ele não estaria melhor num qualquer país da América Latina em chamas.
Em Espanha há muito que se confirmou uma visão decente das questões de segurança. Essa visão só submergiu com o atentado à estação ferroviária de Madrid e regressou logo de imediato. Nos Países Baixos a matéria é assumida com circulação de informação entre os mais altos representantes das entidades políticas. No Reino Unido o tema é ainda mais restrito, uma espécie de cogovernação que se adopta para a defesa do Estado e para a garantia da normal vida dos cidadãos. Em Portugal é o que se vê.
O Parlamento não vai deixar escapar a questão tentando esventrar o ministro. Como se o ministro tivesse que assumir as responsabilidades por uma circunstância que é operacional e que aí se deverá manter. Sim, a responsabilidade está na realidade de décadas a que se deixou chegar a estrutura das Forças Armadas, em especial o Exército, na incapacidade demonstrada, ao longo de muitos anos, de assumir, com as chefias, o passo exigente e esclarecido para o tempo pós-colonial.
Mas o Parlamento é fingido nesta análise. Talvez o adjetivo seja forte, mas ele não encontra sucedâneo perante a realidade.
Na Assembleia da República não há segregação no ingresso, ninguém se identifica, de forma séria, à entrada, ninguém é barrado em áreas de segurança crescentes, ninguém se afirma responsável por tudo o que penetra e que sai, não há vigilância eletrónica interna, não há, sequer, uma proteção ao edifício digna.
O Palácio de S. Bento tem duas componentes, uma alberga os deputados e, mais acima, agrupa-se o centro nevrálgico do governo, a residência oficial do primeiro-ministro. Onde é que que isto se viu? Que medidas se podem tomar para salvaguardar uma parte substantiva da hierarquia do Estado em situação crítica?
Mas há mais. O estacionamento privativo da AR é albergue para um milhão de utilizadores, basta que a matrícula esteja registada para que o veículo tenha autorização de entrada. Ninguém sabe se o condutor está autorizado, se o veículo não terá sido roubado na noite anterior. E o mesmo se diz do que cada entrante leva na sua mala. Se transporta uma tonelada de explosivos os agentes da autoridade não se levantarão do seu lugar, aliás, nunca levantam, nem abrirão a mala do carro ou controlarão o que nele vai.
Há vários dias que assistimos ao estacionamento permanente, em frente à AR, de um carro do programa de televisão “Querido Mudei a Casa”. Não se adivinha que a administração do palácio tenha solicitado à TVI ajuda para remodelar os sofás e cortinados. Mas, tal facto, indica que os veículos estacionam sem critério e sem controle. Tal circunstância é também visível no parqueamento e trânsito nas ruas contiguas. Uma anarquia sem fim.
E quando olhamos para os clientes habituais, nunca acompanhados de funcionários ou deputados, que circulam na AR, sempre poderemos dizer que o nacional porreirismo é aqui um critério de admissão.
O Parlamento vai discutir as armas roubadas. Mas não discute a casa em que vive, a insegurança em que se encontra, a debilidade da sua realidade enquanto estrutura de poder. Mas isso não tem importância nenhuma. No dia em que houver uma ação terrorista no Parlamento morrem os que lá estiverem e os muitos que nunca lá estão farão as audições posteriores sobre o acontecido.
O país devia ponderar a sua segurança. Ir no cântico sempre presente do “bom povo português” é interessante. Mas os atacantes nunca saberão trautear canções de embalar…