O fim do sorriso de António Costa
Costa vai ter de começar a provar ser capaz de gerir o Estado de uma forma dirigida à prestação de serviços aos cidadãos.
Nomeado primeiro-ministro sem ganhar eleições e sendo então olhado por uma larga fatia da opinião pública e publicada como um usurpador da chefia do Governo, António Costa não teve logo direito ao estado de graça oferecido pelas vitórias eleitorais aos vencedores acabados de subir ao topo do poder de Estado.
Olhado com desconfiança mesmo pelos que apostavam na solução de maioria de esquerda construída no Parlamento, Costa levou mais de um ano a provar que era capaz da missão a que se propunha. Fê-lo centrando em si toda a imagem do Governo e recuperando um discurso político trocado nas últimas décadas pelo tecnocrático.
Voltou a pôr a política em primeiro lugar e a recuperar a propaganda como veículo tradicional da transmissão da mensagem política. E — convenhamos — se há duas características de perfil político que em Costa são brilhantes são as suas capacidades negociais e as propagandísticas.
Isso permitiu-lhe redireccionar a austeridade imposta pelos compromissos europeus e pela necessidade de controlar o défice. Alterou a distribuição dos cortes orçamentais sem alterar o essencial do modelo económico aplicado pelo anterior Governo. Conseguiu assim agradar aos parceiros de maioria e à Comissão Europeia.
A sua habilidade negocial permitiu-lhe gerir a maioria e meter os parceiros parlamentares no bolso. Nem PCP nem BE têm condições de votar contra um Orçamento do Estado até 2019. Se bem que se vejam obrigados a distanciarem-se do PS no discurso político de forma a criarem, cada um deles, o seu espaço eleitoral, para não serem engolidos nas legislativas e se tornarem vítimas do abraço do urso do PS. Costa ganhou também a confiança dos cidadãos, como demonstram as sondagens e outros estudos de opinião, e criou um clima de confiança no país.
A imagem dessa capacidade de acção política e de conquistar os outros — seja os parceiros de maioria, seja Bruxelas, seja a população em geral — é o seu constante sorriso. Em qualquer circunstância, Costa afirmava-se pelo seu sorriso permanente, que espelhava a sua imensa tranquilidade, segurança e autoconfiança de que o que dizia ia mesmo acontecer. Um sorriso quase profético. Um sorriso demonstrativo da atitude que Marcelo Rebelo de Sousa caracterizou como a de “optimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”.
Agora, Costa vai ter de fechar o seu sorriso. Não tem mais condições para o manter. Vai ter de deixar de exibir a sua autoconfiança. Vai ter de cercear a sua capacidade de propaganda. Vai ter de começar a provar ser capaz de gerir o Estado de uma forma dirigida à optimização da máquina pública na prestação de serviços aos cidadãos.
A nova atitude governativa de Costa terá de passar por acções concretas que não se fiquem pelo diálogo ou pela gestão orçamental. Terá de passar pela reestruturação em profundidade da política florestal em coordenação com a política de prevenção e de combate a incêndios. Criar uma arquitectura de comando coordenada e em pirâmide com uma orientação de acção comum. Uma política sustentável e com lógica interna, que assente na política florestal e na prevenção, a qual nunca foi assumida por nenhum Governo — nem o seu, nem os anteriores, incluindo aqueles de que foi ministro —, que se limitaram a passajar uma manta de retalhos sobre o assunto e a deixar arder e morrer. Talvez agora o poder possa finalmente acatar as recomendações dos especialistas, nomeadamente o relatório final a ser feito pela comissão técnica independente criada esta semana pela Assembleia da República.
Mas a nova atitude também terá de passar por acções concretas e reais como a de criar uma estrutura de Protecção Civil que de facto proteja os civis e não sirva para arranjar empregos partidários. E como a substituição da famigerada PPP do SIRESP, que só tem servido para canalizar o dinheiro do Orçamento do Estado para “os negociantes do costume” (neste caso SLN, GES, PT) engordarem as suas contas bancárias, enquanto o país arde, as pessoas morrem, ficam feridas e/ou sem nada. Desta vez, morreram 64.