Os Coppola: uma saga cinematográfica
Eleanor Coppola, mulher de Francis Ford, esperou até aos 80 anos para se estrear na realização de ficção: Paris Pode Esperar. A mulher que espera, o marido cineasta, o cinema... milhentas pistas autobiográficas disseminadas nesse filme, embarquemos na viagem com a sua família.
Francis Ford Coppola realizou um dos melhores filmes de todos os tempos, O Padrinho (1972). O vencedor de um Óscar O Padrinho 2 (1974) veio cimentar uma reputação e Apocalypse Now (1979) foi uma das aventuras cinematográficas mais insanas de sempre. O sobrinho de Francis, Nicolas Cage, ganhou o Óscar de melhor actor pelo papel de um homem a matar-se com a bebida em Morrer em Las Vegas (1995) - cimentando, também no seu caso, a sua inspiração num molde, o dos ícones do passado, James Dean e Marlon Brando.
As mulheres da família Coppola têm estado na ribalta de forma mais subtil. Sofia, que começou a representar nos filmes do pai, ganhou um Óscar de Melhor Argumento Original com Lost in Translation – O Amor É Um Lugar Estranho (2003), um Leão de Ouro no Festival de Veneza com Somewhere - Algures (2010) e no passado mês de Maio, em Cannes, o prémio de Melhor Realizador com The Beguiled.
Ainda assim, quem esperaria que a mãe, Eleanor, casada com Francis há 54 anos, se estreasse como realizadora com o filme Paris Pode Esperar, aos 80 anos? O filme Corações das Trevas (1992), nomeado para um Óscar, baseado em imagens que ela captara da sua vida com o marido durante as filmagens de Apocalypse Now, é um dos grandes documentários do estilo observador não-participante. Obervador não participante... e no entanto é impossível não perceber o quanto a artista e decoradora influenciou o marido.
“Por detrás de todos os grandes homens está uma grande mulher”, afirmou Diane Lane, na estreia mundial de Paris Pode Esperar em Toronto. É ela que interpreta a personagem baseada na matriarca da família Coppola. E Diane poderia afirmá-lo melhor que ninguém, por ter entrado em quatro filmes de Francis e por ser um membro não-oficial da família Coppola. “Francis sempre foi uma forte figura paterna. Cozinhava massa para todos e ensinava-nos a fazer gnocchi”, relembra. “Claro que a Eleanor estava lá com os filhos e pude conhecê-los. A Sofia fez de minha irmã mais nova em Rumble Fish (1983) e estive na casa deles durante a montagem e pós-produção dos filmes [incluindo os Os Marginais (1983), The Cotton Club (1984), e Jack (1996)]. Tenho uma longa lista de memórias inesquecíveis e é maravilhoso que se reconheça a paciência e participação da Eleanor durante todos os momentos dos bastidores de tão ilustre família”.
A família e para além dela
Como sabemos, a família significa tudo para os italianos. Mas a origem desta família cinematográfica, que também inclui Roman Coppola, Jason Schwartzmann e Gia Coppola, remonta aos primeiros anos da vida de Francis.
“Eu era uma criança tímida que não tinha amigos e o meu pai mudava-se todos os anos”, explica Francis. “Nunca tive amigos, tinha só um óptimo irmão mais velho [o pai de Cage, August Coppola] que estava a dar os primeiros passos como romancista. Eu adorava-o e queria ser como ele, mas apercebi-me que teria de ser uma versão júnior”.
“A minha família estava no mundo do espectáculo” - refere-se ao pai compositor, Carmine Coppola, Óscar por O Padrinho Parte 2, e à sua mãe, escritora de canções, Italia Pennino. “Tocavam no Radio City Music Hall [Nova Iorque], tive uma educação bastante exótica, como se vê. Mas estava sozinho. Uma infância triste é a base de um artista. Nunca planeei tornar-me num grande realizador de Hollywood. Queria fazer filmes experimentais e queria ver no que se tornaria o cinema”.
Tal como George Lucas, em 1967, Francis mudou-se para a área de São Francisco para poder fazer filmes longe de Hollywood, com a sua empresa American Zoetrope. Também era um óptimo lugar para criar crianças. Com as receitas dos filmes de O Padrinho, comprou uma propriedade em Napa Valley, tornando-se na sede da família Coppola e onde as raízes italianas eram bem visíveis.
“Acho que o mais importante para Francis é o seu grande amor pela família tradicional”, conta Eleanor. “A família é fundamental para ele. Temos seis netos e ele realmente gosta e quer fazer aqueles grandes jantares italianos de domingo. Quer juntar todos”.
Quando questionada sobre a força criativa da família, estando constantemente a trabalhar em projectos juntos, relembra um Verão em que Francis terá organizado um campo criativo no seu palacete em Itália. “Juntámos as crianças e os primos todos e o Francis teve a ideia de fazer uma série de peças de um acto. A Sofia realizou uma e o Jason escreveu e realizou outra, bastante adulta para a idade dele na altura, sabendo que tinha só 15 anos. Entrámos todos numa, até eu”, Eleanor solta um riso enquanto relembra. “Eles lembram-se de fazer todas aquelas actividades juntos”.
Ao fazer Paris Pode Esperar Eleanor quis afirmar-se para além do ambiente familiar. Fred Roos, um produtor e director de casting de O Padrinho e Rumble Fish, tornou-se produtor do filme e ajudou-a a concretizá-lo. “Fred foi o primeiro a ler o meu argumento”, afirma. “Escrevi cerca de 45 páginas e não sabia o que pensar, ele encorajou-me. Disse-me "continua" e era mesmo o empurrão que precisava”.
“Não queria fazer um filme fútil. Havia alguns contratos financeiros finais que eu não sabia bem como fazer e o meu marido ajudou-me. Ele também pediu ao nosso sobrinho Christopher Neil que viesse ajudar Arnaud, o nosso actor francês, com os diálogos, já que era essa a sua profissão. O meu irmão era um produtor de efeitos especiais e Christopher, o seu filho, já tinha trabalhado para o Francis e fora treinado por ele”.
Quando o envolvimento de Diane Lane não foi suficiente para obter financiamento, trazer Nicolas Cage para o elenco fechou o contrato. Por isso Eleanor entrou em pânico quando o sobrinho se viu forçado a abandonar o filme. Lane acabou por ser fundamental em convencer Alec Baldwin, um actor robusto que mais se assemelhava a Francis, figura que serve de base à sua personagem, a juntar-se ao elenco. Faz o papel de marido e realizador que está sempre preocupado com o seu trabalho, não só como o Francis que vimos em Corações das Trevas, mas também como o marido ausente de Lost in Translation – O Amor É Um Lugar Estranho, personagem do filme de Sofia Coppola em que a realizadora esconjurou características do seu marido da altura, Spike Jonze.
“A origem da história surgiu depois do Festival de Cannes quando Francis teve de viajar para a Europa de Leste para ver uns estúdios e tratar de negócios”, relembra Eleanor. “Eu tinha uma constipação horrível e decidi não viajar com ele. À última hora, o condutor que nos levou ao aeroporto disse: ‘Bem… vou de carro até Paris, posso deixá-la lá’. Sabia que era uma viagem de sete horas e, portanto, entrámos no carro e o Francis meteu-se no avião. Depois, quase de imediato, ele diz: ‘Temos de almoçar’”, relembra rindo. “E, enquanto almoçávamos, mesmo não falando francês, percebi que estava a fazer uma reserva num hotel. Não tive medo porque sabia que já trabalhava com Francis há anos. Acabou por ser uma aventura que durou vários dias”.
“Voltei para casa e estava-me a rir sobre o assunto com uma amiga quando ela disse: ‘Esse era um filme que eu gostava de ver’. Nunca me imaginei a fazer um filme ou a escrever um argumento. Está na minha natureza fazer documentários, ser observadora”. Não há dúvida de que Paris pode esperar, uma ode à marcha lenta, tenha sido pensada para o público mais velho que se deleita com um filme em que as personagens se deliciam com os pratos franceses. Este filme é uma afirmação pessoal de Eleanor.
A personagem de Diane Lane também perdeu um filho, um momento sério, e bastante pessoal, no filme. Nem mesmo a famosa capacidade de negação de Francis e a determinação de aço de Eleanor ajudaram a ultrapassar a morte do filho mais velho do casal, Gian-Carlo, que faleceu num acidente de lancha com 22 anos, em 1986. A filha de Gian-Carlo, de nome Gian-Carla, foi posta ao cuidado do avô e cresceu em locais de filmagens. Estreou-se em Palo Alto, baseado no livro autobiográfico sobre o início da vida de James Franco. Há ainda um outro elo de ligação entre os Coppola e Franco, visto que o actor terá protagonizado Sonny, a estreia de Nicolas Cage como cineasta, depois de o realizador ter ficado impressionado com a interpretação de Franco como James Dean. O filme estreou em 2002, em Veneza, no festival que Cage tanto adora pois lhe traz memórias do falecido pai. Francis dedicou Rumble Fish ao irmão mais velho e fez ainda um outro filme, Tetro, baseado na relação entre os dois, não muito antes do ataque cardíaco de August, em 2009, aos 75 anos.
“Tive de me reinventar, tive a necessidade de me sentir livre de ser um artista”, diz Cage, explicando a razão pela qual usa Cage como nome artístico e não o legal Coppola. Um ano depois de Sonny, voltou a Lido di Venezia com Matchstick Men, no ano em que Sofia apresentou Lost in Translation – O Amor É Um Lugar Estranho. “Tenho muito orgulho em todos os membros da minha família”, disse na altura. “Estou muito feliz pela Sofia e do sucesso que tem tido. Somos uma família muito atarefada. Não nos vemos muito, mas há um conhecimento implícito de que pensamos uns nos outros”. No início desse ano Cage tinha sido nomeado para um Óscar pelo seu duplo papel em Adaptation, realizado por Jonze, que ainda era casado com Sofia.
O actual marido de Sofia, Thomas Mars, da banda francesa de rock Phoenix, é também um colaborador e terá feito a banda sonora de todos os seus filmes. Casaram-se no palacete da família na aldeia onde o avô de Francis nasceu e têm dois filhos, tal como o primo de Sofia, Jason Schwartzmann, que fez de Louis XVI em Marie Antoinette.
Sofia é bastante próxima do irmão Roman, que produz todos os seus filmes, e o seu pai é normalmente creditado como Produtor Executivo. É igualmente próxima do primo Schwartzmann, filho da sua tia e actriz Talia Shire, a Connie Corleone dos filmes de O Padrinho. Roman e Jason são ambos co-criadores da galardoada série Mozart in the Jungle e colaboram com Wes Anderson: Roman escreveu The Darjeeling Limited e Moonrise Kingdom, enquanto Jason actuou em ambos e co-escreveu o primeiro.
Francis Ford tem agora 78 anos. O seu império familiar engloba duas vinhas e inúmeros resorts enquanto, pessoalmente, tem seguido uma via menos comercial de cinema, aventurando-se em televisão em directo com Distant Vision. Não o faz por dinheiro, ainda que antigamente financiar os filmes que hoje são considerados os seus melhores não era assim tão fácil.
“Até os meus filmes que foram mal recebidos pelo público resistiram à prova do tempo, em parte, por causa do meu instinto”, afirma. “Na realidade, não queria fazer um segundo O Padrinho e, portanto, fiz um filme mais pessoal. Ninguém queria fazer Apocalypse Now mas empenhei-me para tal. Deveria ter sido um fracasso, mas tornou-se num clássico. Até hoje, os direitos do filme são meus e isso é de grande valor. É como ser dono de um prédio. Depois fiz One From the Heart, que foi o mais fora do vulgar que se podia fazer. Sempre esteve na minha natureza procurar o que o cinema poderia ser e não aceitar os limites impostos pelo tempo”. E é claro, o espírito aventureiro que transbordou para todos os seus familiares, incluindo a sua esposa.