Ainda há quem regresse ao bairro desaparecido para “respirar o ar” de casa
Antigos moradores do Bairro de S. Vicente de Paulo, em Campanhã, no Porto, participam em projecto cultural que lhes permite lembrar as histórias do local.
O terreno onde estiveram instaladas as casas baixas do Bairro de S. Vicente de Paulo, no Porto, demolido entre 2005 e 2008, é hoje pouco mais do que um campo de ervas crescidas, entre as quais ainda é visível a passagem das antigas ruas internas do aglomerado camarário. Ali já não mora gente, mas o local não foi esquecido. “Há uma senhora que ainda vem cá respirar o ar de S. Vicente de Paulo. Da sua casa. Vem cá chorar”, contou Márcia Andrade, do grupo Visões Úteis, que está a desenvolver um projecto com antigos moradores do bairro.
Márcia Andrade falava, na tarde de quinta-feira, com o vereador e candidato socialista á Câmara do Porto, Manuel Pizarro, numa visita ao terreno do antigo bairro. No âmbito do programa internacional “Reclaim the Future/Exige o Futuro”, o grupo de teatro portuense tem estado a trabalhar com comunidades da freguesia de Campanhã, incluindo os moradores do antigo bairro demolido nos mandatos de Rui Rio. O projecto prevê uma grande parada entre os terrenos vazios e o antigo Matadouro, marcada para 15 de Julho, e que está inserida no programa municipal Cultura em Expansão, mas prevê também a edição de um livro que contará as histórias do bairro “a partir dos casos das pessoas que moraram naquelas casas”, explicou Carlos Costa, do Visões Úteis. O grupo quer, também, dar a palavra a intervenientes no processo de fora de bairro e o primeiro convidado para prestar o seu depoimento foi Manuel Pizarro.
Para ele, os participantes do projecto tinham perguntas que nasceram do que ouviram aos antigos moradores. “Há neles uma mágoa, uma tristeza profunda. Aqui havia coesão social e agora ela não existe.”, explicou a mediadora Márcia Andrade a Manuel Pizarro, enquanto Carlos Costa completava: “Em algumas situações, as pessoas ficam tristes por abandonarem a zona onde moravam, mas compreendem. Aqui, não. Elas dizem ‘mas porque é que nos tiraram daqui?, estávamos bem, se não nos queixávamos, porque fomos embora?’”. E Márcia insiste numa pergunta: “Estas histórias chegam aos políticos?”.
Manuel Pizarro diz que sim, pelo menos a ele chegam. “A outros podem não chegar. Se eu achasse que era mesmo indispensável demolir um bairro, isso não aconteceria sem que reunisse várias vezes com as pessoas e as ouvisse. Tem a ver com a concepção que cada um tem da política”, disse.
Carlos Costa diz que Manuel Pizarro foi escolhido para esta primeira visita por ter estado em funções na autarquia durante todo o processo de desaparecimento do bairro – primeiro, como deputado da Assembleia Municipal, depois como vereador da oposição – e ser actualmente vereador da câmara, tendo assumido o pelouro da Habitação até recentemente. Mas admite ouvir outros intervenientes exteriores ao bairro.
Quanto a Pizarro, em período de pré-campanha, não deixou passar as críticas à decisão de demolir o S. Vicente de Paulo – “foi de uma violência social extrema, as pessoas eram números nas folhas da empresa municipal de habitação” – e de apresentar o que gostaria de ver ali no futuro: “É possível montar um projecto que permita que possa haver aqui habitação pública de novo. Um modelo que permita que os que aqui moraram, possam regressar”, afirmou.
As histórias do Bairro de S. Vicente de Paulo poderão ser melhor conhecidas no livro que deverá ser editado em Março do próximo ano. Para a Câmara do Porto, o grupo Visões Úteis está a preparar outro presente, aquilo a que Carlos Costa chama “uma cartografia social”. “Vamos fazer uma cartografia de afectos: o que é Campanhã, o que sentem, do que gostam? Vamos entregar à câmara esta cartografia, para que tenham uma ferramenta de decisão que seja afectiva e não apenas os mesmo indicadores de sempre”, disse.