Número de processos nos julgados de paz caiu a pique e faltam juízes

Entre 2012 e 2016, entraram menos 3203 processos nestas instâncias, que são uma forma alternativa de justiça criada com a promessa de ser mais célere e próxima dos cidadãos. Mas a maior parte das pessoas continua sem saber o que são os julgados.

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Adriano Miranda

O número de processos entrados nos julgados de paz de todo o país caiu a pique nos últimos cinco anos. Entre 2012 e 2016, o total de processos reduziu-se em 28,3%, tendo entrado nestas instâncias menos 3203 casos. Se em 2016, os julgados de paz receberam 8104 processos, há cinco anos a fasquia de casos registados era superior: 11.307. A descida tem vindo a acentuar-se nos últimos anos nesta "nova" (já existe desde 2002) forma de exercício de justiça.

Mas porque é que os tribunais dos julgados de paz, criados com a promessa de serem mais próximos do cidadão e mais céleres, se estão a esvaziar? O Conselho dos Julgados de Paz, que funciona junto da Assembleia da República, admite no seu último relatório anual que o desconhecimento e a falta de confiança dos portugueses perante esta justiça alternativa poderá ser uma das razões que estará a contribuir para a diminuição dos processos. Um largo número de pessoas continuará sem saber o que são e para que servem. 

Mas também faltam juízes. O presidente deste conselho que gere os julgados de paz e que foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça até 2001, Jaime Cardona Ferreira, revelou ao PÚBLICO que, neste momento, “existem 24 juízes de paz”, dos quais sete estão “com acumulações”.

Em 25 julgados de paz, há seis tribunais sem juiz titular. Desde que os primeiros julgados entraram em funcionamento em 2002, só houve um concurso para a contratação de juízes de paz em 2007. Esta falta de meios humanos levou a que o conselho designasse “juízes de paz para que, além dos trabalhos próprios dos julgados de paz de que eram (ou são) titulares, acumulassem, na medida do possível, com julgados de paz vagos”, explica o último Relatório Anual do Conselho dos Julgados de Paz.  

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Os julgados de paz são tribunais, financiados pelo Ministério da Justiça e pelas autarquias, que se destinam à resolução de casos de natureza cível, cujo valor não exceda os 15 mil euros, excluindo os que envolvem matérias de Direito da Família, Direito das Sucessões e Direito do Trabalho. Nestas instâncias, os processos – ligados aos direitos e deveres dos condóminos, incumprimento de contratos e obrigações, pedidos de indemnização cível em virtude da prática de crime quando não é apresentada queixa, entre outros – são, em média, terminados em três meses. Apesar de parte dos conflitos ser resolvida via julgamento, a maior parte faz-se através da mediação.

A diminuição de entrada de processos é “indesejável”, mas seria muito pior “se não fosse a orientação seguida por este conselho e o esforço de muitos juízes de paz”, lê-se no relatório.

De acordo com o documento, se o número de processos que entraram está a diminuir, o descontentamento de quem optou recorrer a esta forma de justiça alternativa estará a aumentar. “Nunca se exigiu, àqueles que tiveram, ou têm, o trabalho das acumulações, a realização integral do trabalho dos julgados de paz sem titular. Isto, naturalmente, criou reclamações de cidadãos com acções propostas nesses julgados de paz e, também naturalmente, fez diminuir o número de acções propostas em julgados de paz.”

E haverá mais razões de queixa. Outra das realidades descritas no documento de balanço anual é a tendência de aumento da duração média dos processos que, em 2012, ficava-se pelos 72 dias e que, em 2016, chegou aos 92.

Concurso para entrada de juízes

Mas a actual situação em que se encontram os julgados de paz poderá estar para mudar. Actualmente está em conclusão o terceiro concurso para juízes de paz. Abriu no ano de 2015 e uma das suas últimas fases, a componente formativa, terminou em  Abril deste ano. No total, 26 juízes de paz foram aprovados neste concurso, apesar de, no regulamento, estar prevista uma “bolsa limitada a 20”, revela o também ex-presidente do Supremo.

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O presidente da instituição avança, ainda, que os novos juízes de paz vão ser “nomeados à medida das necessidades e das possibilidades”. A prioridade é “nomear os mais necessários, para serem ocupadas as vagas existentes”. Se tudo correr como planeado, o projecto de nomeações vai ser aprovado nesta terça-feira, explica Jaime Cardona Ferreira, que acredita que o relatório do próximo ano vai trazer melhores notícias: “O mau tempo, que se tornou cada vez mais difícil, está, agora, esperamos, em vias de terminar. O facto de se ter enfrentado, durante muito tempo, muitas dificuldades, apesar de tudo, com melhores resultados do que seria expectável, deveu-se, além do mais, a sobreesforço de múltiplos juízes de paz.”

Uma das novidades de 2017 foi a criação do Julgado de Paz do Oeste, que “abrange toda a área de uma comunidade intermunicipal de 12 concelhos, com sede no Bombarral” e que está aberto desde o início do mês, avança o juiz. Actualmente, o seu funcionamento está a encargo de uma juíza de paz em regime de acumulação, mas “dentro de dias” poderá vir a receber dois juízes de paz titulares, adianta. 

Não têm sido vistos como prioridade

Para que o número de entrada de processos volte a subir, Jaime Cardona Ferreira defende que é “indispensável" que nos "respectivos concelhos" seja feita a divulgação do "que são os julgados de paz".“Ninguém pode gostar do que não conhece”, sublinha.

O conselho que gere os julgados de paz é composto ainda por representantes de todos os partidos. Vânia Dias da Silva, membro do Conselho dos Julgados de Paz e deputada do CDS, fala numa falta de confiança da população: “Há uma série de matérias que poderiam ser tratadas nos julgados de paz e não estão a ser. Estão a ir, directamente, para os tribunais. As pessoas não confiam no sistema. É preciso recuperar isso.”

Maria Paula Cardoso (PSD), também conselheira, concorda: “A população tem as rotinas montadas sobre o acesso à justiça. Ainda há a velha teoria de que o tribunal é o tribunal e alguma desconfiança por justiças alternativas. O português não quer o formalismo, mas depois acha que o que não tem formalismo não é tão bom. É preciso desmistificar isso e promover este tipo de justiça através de publicidade institucional, por exemplo.” A social-democrata afirma, ainda, que os julgados de paz não têm sido vistos pelos governos como uma prioridade: “Eles não têm considerado a justiça de proximidade como uma justiça estratégica para colmatar algumas deficiências do sistema judicial. Seria uma boa opção apostar na justiça de proximidade, que é mais célere, mais rápida e com custos muito reduzidos.”

O discurso de Francisco Madeira Lopes, representante do partido Os Verdes no conselho, é consonante: “A instituição chegou, já há muitos anos, a um ponto de estagnação sem que haja, aparentemente, vontade de nela se investir mais, para que possa crescer. E no país há capacidade para [os julgados de paz] crescerem e servirem de escape ao sistema judicial ordinário. Mas acho que há uma falta de vontade política, não há vontade de investir e acreditar na instituição.”

Por outro lado, Luís Corceiro, do PCP, acredita que ainda há um “excesso de formalismo” e “sentenças longas e demoradas” que estão a afastar pessoas dos julgados de paz. Para além disso, o conselheiro alerta para outra realidade: “Um esforço substancial da existência da pequena rede de julgados de paz vem das autarquias, que pagam instalações e funcionários, sem receber nada em troca. A lei prevê que, no pagamento da pequena taxa de justiça que possa haver nos julgados de paz, uma parte possa reverter para as autarquias. E isso não está implementado. Mas [essa medida] ia trazer algum fôlego para que as autarquias pudessem apoiar a criação de mais julgados de paz.”

O socialista António Mendonça Mendes, também membro do conselho, absteve-se de responder às questões do PÚBLICO que tentou também contactar a representante do Bloco de Esquerda, Helena Maria Moura Pinto, mas não obteve resposta em tempo útil. 

Texto editado por Pedro Sales Dias

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