Nick Mauss e o jogo de espelhos da Casa de Serralves
Depois dos Mirós, os desenhos e os espelhos deste artista norte-americano fazem a exposição de Verão na villa do Conde de Vizela. Para ver até 24 de Setembro.
Depois de oito meses “okupada” por Joan Miró, a Casa de Serralves volta a permitir que se veja, a partir do seu interior, a luz dos jardins e do parque da fundação. E é uma sensação quase nova, agradável, tranquilizadora. Mas a visita que agora podemos fazer à moradia modernista do Conde Vizela tem um novo guia.
A partir desta quinta-feira, o percurso pela Casa faz-se pontuado pela intervenção do artista norte-americano Nick Mauss (n. Nova Iorque, 1980), que assim sucede a Trisha Donnelly (2016) e Yto Barrada (2015), autores das intervenções realizadas nos últimos Verões.
Logo à entrada de Intricate others, título da exposição, no espaço da antiga biblioteca, Mauss mostra que o desenho e o jogo de espelhos irão marcar uma intervenção que convoca muitas outras formas de expressão. Numa sala sombria, vemos um vídeo-espelho que projecta no chão o gesto criativo do artista. Nos espaços seguintes, entre o piso da entrada e o superior, veremos molduras e instalações em volta e dentro de vitrinas, painéis com telas giratórias, gravuras, têxteis, plintos de esferovite a suportar caixas de cartão, novos vídeos, esculturas… E, a destacar-se do conjunto, um painel a “decorar” as quatro paredes do mezanino do edifício.
Nick Mauss, apresentado por Serralves como "uma das vozes mais influentes da nova geração de artistas contemporâneos", visitou a fundação portuense pela primeira vez há dois anos, voltou no ano passado e agora fez uma espécie de “residência artística” na Casa durante uma semana, a preparar e instalar Intricate others. “Foi um convite fantástico, um desafio maravilhoso, este de pesquisar e dialogar com uma casa que é única”, disse o artista na visita em que guiou os jornalistas, esta quarta-feira. A seu lado, João Ribas, director-adjunto do Museu de Serralves e curador da exposição, explicava que o artista nova-iorquino – que conhece e cuja obra acompanha desde há década e meia – “sempre se interessou por trabalhar certas tendências do modernismo e da sua relação com as várias artes: a coreografia, a cenografia, os figurinos e a aplicação da pintura e do desenho em suportes não tradicionais ou associados às belas artes e às artes aplicadas”.
Ao PÚBLICO, João Ribas lembrou, a propósito, o trabalho recente que Nick Mauss foi convidado a realizar, entre o final do ano passado e Janeiro último, no Novo Museu Nacional do Mónaco – Villa Sauber, como designer de uma exposição que evocou o 150.º aniversário do nascimento de Leon Bakst, o cenógrafo e figurinista dos Ballets Russes.
Para a sua intervenção na Casa de Serralves, Mauss começou por “ler o edifício” e estudar a sua história e arquitectura. “Durante a minha primeira visita à Casa, reparei na forma como era propulsionado através do seu interior sem saber na verdade para onde estava a ir. Na ausência de quaisquer indicações didácticas, eu era livre de me confrontar com os pormenores e de tentar encontrar um sentido no desenho da Casa”, disse Mauss numa entrevista com o seu curador, incluída no caderno que Serralves vai lançar durante a exposição.
Um exemplo dessa liberdade de intervenção e de diálogo com a arquitectura e o visual art déco da Casa está no desenho de grandes dimensões e de grande simplicidade com a sobreposição de um rosto jovem ao lado da grande janela da sala de estar, que abre para o jardim lateral. “Isto é quase um cenário teatral, e o desenho estabelece esse diálogo com a grande janela que nos dá a ver a geometria deste jardim cartesiano”, notava Mauss durante a visita.
Mas é a sucessão de espelhos, um deles a cores, na rara intervenção colorida de Intricate others – “a Casa já tem muita cor, e uma cor impositiva; esta foi a minha resposta a isso”, justificou o artista –, que melhor expressa o sentido da intervenção de Mauss. Alguns deles são mesmo imperceptíveis, de tão “intrincados” com a arquitectura e o mobiliário, como o que aparece incrustado no corrimão da escada. Outros, como os dois que encontramos num dos quartos, são espelhados sobre desenhos originais, de uma forma artesanal. “Este vidro pintado é recoberto por um revestimento espelhado, que gera as suas próprias reacções inesperadas (brilhos, obscurantismos, solarizações); deste modo, a pintura final fica dentro do espelho, não na superfície”, explica Mauss, na entrevista citada.
Intricate others é também um desafio a descobrir o “interior algo anacrónico, com toda a sua coreografia social e organização do espaço Downtown Abbey” – nota João Ribas –, em contraste com uma fachada modernista e art déco.
Uma viagem no tempo, num intrincado jogo de espelhos. Para ver até 24 de Setembro.