A justiça de Trump: menos direitos humanos, mais repressão

Há duas áreas em que o presidente dos EUA vai fazer recuar muitos anos os direitos dos cidadãos norte-americanos, nomeadamente os mais desfavorecidos.

Há algo de extremamente perturbante na pessoa de Donald Trump como presidente norte-americano.

O facto de defender intransigentemente os interesses das grandes empresas, desprezando as questões ambientais ou ter decidido que a religião muçulmana é o principal inimigo dos EUA seriam, por si só, preocupantes. Mas a sensação que temos é a de que o seu raciocínio, o seu vocabulário e a sua compreensão do mundo são extremamente limitados, nada virado para subtilezas ou complexas elucubrações mentais. As suas reações parecem ser muito primárias e, como é evidente, este primarismo ideológico e mental – às vezes, duvidamos se aguentará o stress da presidência até ao fim – corporizam-se nas suas políticas, nomeadamente, no domínio da Justiça.

A nomeação do juiz conservador Neil Gorsuch para o Supremo Tribunal –provavelmente será decisivo na decisão sobre a constitucionalidade da segunda executive order relativa à proibição de entrada de muçulmanos – mais não é do que a reposição do anterior equilíbrio existente, mas há duas áreas, neste momento, em que o presidente dos EUA vai fazer recuar muitos anos os direitos dos cidadãos norte-americanos, nomeadamente os mais desfavorecidos.

Há poucos dias, o Procurador-geral Jeff Sessions distribuiu as suas ordens para os procuradores federais em todo o país: a guerra à droga está de volta e o importante é reprimir e reprimir duramente. Acabaram-se as subtilezas jurídicas e em cada caso que se apresente perante os tribunais, a função da acusação será sempre a de procurar a condenação máxima. Toda a evolução no pensamento jurídico-criminal que ao longo dos anos foi feita à volta do consumo de drogas e da melhor maneira para a sociedade de lidar com esta realidade, foi afastada de uma penada em nome de uma guerra de extermínio que só acabará quando acabar a droga, isto é, nunca, mas com milhares e milhares de vítimas a apodrecerem nas prisões dos EUA. Para além de serem o país com maior população prisional do mundo (cerca de dois milhões de presos), a injustiça e a discriminação do sistema legal em termos de condenações criminais é evidente, punindo desproporcionadamente os negros e os pobres. Basta lembrar, como exemplo, que durante dezenas de anos o consumo e posse de crack (a cocaína dos pobres) eram punidos com penas cem vezes mais graves do que o consumo e posse da cara cocaína, disparidade que só foi reduzida por Obama em 2010.

Certo é que com esta nova guerra às drogas, numa espécie de tolerância zero, Donald Trump vai, de uma forma absolutamente injustificada, alimentar grandemente o complexo industrial prisional e destruir muitas e muitas vidas de cidadãos norte-americanos, num perturbante recuo das políticas de justiça e sociais.

Igualmente perturbantes são as ordens de Jeff Sessions de suspensão dos acordos de reformas policiais ou “decretos consentidos”. Estes acordos entre a divisão dos direitos civis do ministério da Justiça e os departamentos locais da polícia visavam introduzir reformas muito variadas no sentido de reduzir ou pôr termo às violações dos direitos humanos por parte dos agentes policiais nos casos em que essas violação tinham atingido proporções graves. Previa-se, por exemplo, a curto prazo a publicação do “decreto consentido” relativo à Polícia de Baltimore que agora foi suspenso. Basta pensar na enorme dificuldade em se atingirem estes acordos com todas as partes envolvidas para se perceber a gravidade em termos de justiça e de direitos humanos desta decisão do governo Trump.

É extremamente perturbante observar estes recuos na defesa dos direitos humanos e da justiça vindos da capital do (decadente) império.

 

P.S.: Eduardo de Almeida Catroga, presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, a propósito do meu artigo ”O lobby da energia: carrasco ou vítima?” da semana passada, enviou-me uma carta reafirmando e esclarecendo que a sua expressão “não se brinca com as empresas cotadas” se referia tão somente ao facto de o processo-crime em causa ter sido originado por uma denúncia anónima e não por entender que à EDP deva ser conferido qualquer tratamento especial. Regista-se, naturalmente, este pronto esclarecimento.

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