O herói da reunificação
Helmut Kohl, um democrata-cristão renano pesado e aparentemente sem brilho, foi o herói improvável da reunificação da Alemanha, que marcou o fim da Guerra Fria e abriu uma nova era na politica europeia e internacional.
O chanceler Helmut Kohl, um democrata-cristão renano pesado e aparentemente sem brilho, foi o herói improvável da reunificação da Alemanha, que marcou o fim da Guerra Fria e abriu uma nova era na política europeia e internacional.
A sua crise decisiva começa no dia 9 de Novembro de 1989, com a divina surpresa da queda do muro de Berlim. Kohl está em Varsóvia numa visita oficial, mas parte imediatamente para Berlim, onde chega a tempo de participar, com Willy Brandt e Hans-Dietrich Genscher, nas celebrações na Rathaus Schoneberg. O momento é de euforia e ansiedade: está em marcha, de baixo para cima, um processo imparável de reunificação, mas ninguém sabe o que fazer.
A primeira decisão de Kohl é antecipar-se à cimeira entre George Bush e Mikhail Gorbachev, marcada para o princípio de Dezembro, e apresentar no Bundestag, sem consultar previamente os seus aliados, o Programa em Dez Pontos, cujo mérito é definir a reunificação como a prioridade da política alemã. Em Moscovo, em Paris e em Londres, a resposta é negativa: Gorbachev rejeita a proposta alemã como um diktat, François Mitterrand considera que a reunificação da Alemanha é o "regresso a 1913" e Margaret Thatcher glosa a fórmula de François Mauriac, o escritor francês que gostava tanto da Alemanha que preferia que houvesse duas.
Bush, pelo contrário, decide ficar ao lado de Kohl, com três condições que o chanceler alemão aceita sem hesitar: a reunificação tem de ser um processo democrático, limitar-se aos territórios da República Federal, da República Democrática Alemã (RDA) e de Berlim e a Alemanha unificada deve continuar a ser membro da NATO e das Comunidades Europeias. O problema principal é Gorbachev aceitar esses termos e a concordância da União Soviética é indispensável: a unificação da Alemanha só fica completa com a restauração da sua soberania, o que implica uma devolução dos poderes das Quatro Potências vencedoras da II Guerra Mundial - a União Soviética, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França.
Paralelamente, Kohl tem de controlar a dimensão interna do processo de unificação, incluindo a união económica e monetária entre as duas Alemanhas e a realização de eleições na RDA, onde está em causa o método da unificação. O seu Ministro do Interior, Wolfgang Schauble, é crucial nesse capítulo: em 18 de Março de 1990, o Partido Democrata-Cristão (CDU) ganha as eleições, o que assegura uma integração rápida da RDA na República Federal.
As conversações bilaterais entre Bush, Kohl e Gorbachev tornam possível definir um acordo sobre os termos da reunificação na dimensão externa, que assentam na permanência do estatuto internacional da República Federal: a Alemanha unificada continuará a ser membro da NATO e das Comunidades Europeias e um Estado não-nuclear, além de renunciar a quaisquer pretensões territoriais. Esse acordo é concluído em Junho entre o chanceler alemão, o Presidente dos Estados Unidos e o Presidente soviético e é assinado por Kohl e Gorbachev no mês seguinte, numa cimeira bilateral em Moscovo, uma forma de reconhecer a importância das concessões soviéticas. Em Setembro, na Conferência 2+4, as duas Alemanhas e as Quatro Potências completam esse acordo e, em 2 de Outubro, a Alemanha é reunificada como um Estado soberano.
Para Kohl, esse é também o dia da sua consagração como o chanceler da reunificação. Mas falta garantir que a restauração da Alemanha como a principal potência europeia não é a restauração do Reich de Bismarck, mas um passo na consolidação da ordem europeia. O chanceler propõe ao Presidente francês uma iniciativa conjunta para criar a União Europeia, uma união política com uma moeda única: na fórmula de Timothy Garton-Ash o acordo que torna possível o Tratado de Maastricht é uma troca desigual - "The whole of Germany to Kohl, half the Deutschemark for Mitterrand". Mas não é menos certo que garante a continuidade da ordem das democracias europeias no fim da Guerra Fria. O último combate do chanceler é garantir a realização das fases sucessivas da união económica e monetária até à criação do euro, a garantia de Kohl de que a unificação da Alemanha não significa o regresso da balança do poder à política europeia.
As crises fazem e desfazem os dirigentes políticos: como o General de Gaulle na guerra da Argélia, ou Mário Soares na revolução portuguesa, Helmut Kohl esteve à altura do seu momento na História.