A noite mais curta
À noite mais curta sucedem-se noites cada vez maiores: nem tudo está perdido.
As noites estão cada vez mais pequenas. Lembro-me de pensar assim, quando era noctívago. Quanto mais encolhiam, piores ficavam. Quando chegava o solstício de Junho e começava o Verão eu, que não queria saber do dia ou do sol para nada, amaldiçoava a primeira noite, só por ser a mais curta do ano.
A minha hora favorita para acordar era às 10h da noite. Tinha tempo para tomar banho e litros de café antes da meia-noite. Depois começavam as horas boas. À uma só tinha passado uma hora. Às duas, ainda faltavam muitas antes de vir o indesejado e incómodo dia. A escuridão não tinha intrusos nem barulho: só um sossego generoso, que respeitava as vontades de cada um, com uma indiferença deliciosa, nascida do silêncio e da inacção de estar toda a gente a dormir.
Hoje acordo cedo para o dia durar mais tempo mas ainda me custa acordar e serem já 7h da manhã. Por que é que não podem ser zero horas, nem que fosse só para animar? Onde antes sentia ter roubado o tempo que me roubaram — a noite, quando não era eu que mandava nas minhas horas —, agora sinto que acordo com muito tempo já perdido, irrecuperável por muito que me apresse.
É a diferença entre não me importar de estar vivo e gostar de viver. Quando uma pessoa não se importa é mais fácil fazermo-nos caros ou esquisitos ou estranhos.
À noite mais curta sucedem-se noites cada vez maiores: nem tudo está perdido. Já ao dia mais comprido seguem-se dias cada vez mais curtos. Será que não há uma maneira menos sofrida de ganhar? Não.