Meu doce, leve o tempo que precisar, nós temos tudo o que é necessário para fazer isto resultar

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Donald Trump e os líderes do G7 na Sicília Jonathan Ernst/REUTERS

Paciência. É o título de uma das mais belas músicas dos Guns N’Roses, recentemente regressados a Portugal. Fala-nos do amor. Mas serve para outras relações. Diz ela a certa altura: “Sento-me nas escadas. Pois prefiro ficar sozinho. Querida, se não te posso ter agora, eu espero. Às vezes fico tenso. Mas não devo apressar o tempo. Amor, sabes que há mais uma coisa a considerar. Disse: mulher, faça-o com calma. E as coisas vão ficar bem. Nós só precisamos de um pouco de paciência. Disse: meu doce, leve o tempo que precisar, nós temos tudo o que é necessário para fazer isto resultar”.

As relações entre os Estados Unidos e a Europa estão a atravessar uma das crises mais sérias da sua já velhinha história. Donald Trump esteve em Bruxelas e não escondeu a aversão pela NATO e pelos aliados europeus: recusou-se a afirmar o compromisso com o artigo 5º da Organização do Tratado do Atlântico Norte, tratou mal os presentes e pediu-lhes o dinheiro americano de volta. Na Sicília, na reunião dos G7, deixou claro que vê a Alemanha como uma adversária, chamando-a de má por gozar de um enorme excedente comercial e inundar o mercado dos EUA de Mercedes, e pelo meio pôs em questão o comércio livre. Salvou-se o Vaticano que, ao que consta, não produz carros nem tem indústria pesada. Já regressado a Washington, Trump decidiu unilateralmente sair do Acordo de Paris, sem consultar os aliados, sendo que é sabido que os europeus estão particularmente empenhados na questão das alterações climáticas.

Esta não é a primeira crise grave das relações transatlânticas. Em 1956, a Administração Eisenhower humilhou o Reino Unido e a França na crise do Suez, confirmando assim o fim definitivo destes países como grandes potências. Dez anos depois, Charles de Gaulle decidiu retirar os franceses do comando militar integrado da NATO. Em 2003, o eixo franco-alemão liderou a oposição à intervenção militar norte-americana no Iraque e esforçou-se por transformar a integração europeia num projecto de equilíbrio do poder unipolar dos Estados Unidos. Estes últimos, por seu lado, responderam dividindo a Europa entre a “nova” – aquela que apoiava a guerra do Iraque – e a “velha” – a que se opunha a essa aventura. Todavia, esta é muito provavelmente a sua crise mais séria pois, pela primeira vez em cerca de 70 anos, um Presidente norte-americano põe em causa a ordem internacional liberal – uma ordem construída pelos EUA em parceria com os europeus –, questiona o interesse da Aliança Atlântica e vê a União Europeia (UE) como uma adversária – chegando ao ponto de apoiar os “deploráveis” europeus: Nigel Farage, Marine Le Pen e Viktor Orbán.

Não se deve subestimar o perigo que Donald Trump representa para a Europa (e para o mundo). Os líderes europeus têm de se preparar para o pior, desde logo no campo da defesa. Porém, é preciso acalmar o frenesim que vai pelas várias capitais da UE. Se o Presidente dos Estados Unidos quer dar cabo das relações transatlânticas não sejamos nós a facilitar-lhe a vida e a contribuir para isso.

Como canta Axl Rose é preciso paciência e os motivos para isso são bons. Desde logo a ideia de uma Europa capaz de fazer frente aos EUA é tão verdadeira quanto o mito da vitória de David contra Golias: não existe. Como a história recente tem demonstrado várias vezes, não há nenhum assunto internacional sério, inclusive no continente europeu, que possa ser resolvido sem a participação norte-americana. Depois, nós não somos capazes de nos defendermos sozinhos e muito menos de manter a estabilidade na nossa vizinhança, desde o Norte de África até ao Médio Oriente. Acresce que um afastamento entre os Estados Unidos e a Europa será um convite para a Rússia continuar a rever as suas fronteiras a Leste, completando o trabalho na Ucrânia e levando-o para outra geografias, desde a Geórgia às Repúblicas Bálticas. Finalmente, a América está na Europa para defender os europeus uns dos outros. Sem ela voltaremos a velho hábito de nos matarmos uns aos outros.

Se é verdade que a conjuntura não é favorável, a estrutura não se alterou e como sempre com o tempo ditará o seu capricho, pelo que não é inevitável nem provável que o Atlântico volte a ser um fosso. A pura geografia aproxima os Estados Unidos da Europa, sendo esta última uma das duas fronteiras dos primeiros, logo um seu interesse permanente. Desde que a América ascendeu a uma posição de preeminência no sistema internacional o continente europeu foi uma peça central da sua estratégia de política externa e o principal elemento da sua forma de relacionamento no exterior. Isto mesmo é evidente na decisão de criar a NATO, um caso único no mundo e que não foi, nem pode ser, replicado em outras regiões.

Em rigor, mesmo antes das duas guerras totais do século XX, o Atlântico era já percepcionado como de importância crucial para a defesa dos EUA e mesmo do continente americano no seu todo, com ilhas como os Açores, a Gronelândia ou a Islândia a serem consideradas como os limites das suas linhas avançadas de defesa. Como consequência disso, no final da Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos decidiram transformar esse interesse permanente numa presença constante através de uma vasta rede de bases e pactos militares ao longo do Oceano e da Europa. Nada disso mudou até hoje.

Adicionalmente, em Londres, em Paris, em Madrid, em Lisboa e em muitas outras cidades os governos devem ter presente que os EUA mudam de política externa muito frequentemente, mesmo durante a mesma administração. Só desde o final da Guerra Fria, os norte-americanos já tiveram pelo menos seis diferentes orientações estratégicas.

Uma estratégia conservadora com George Bush pai; uma internacionalista liberal com Bill Clinton, cujo expoente máximo foi a doutrina do “alargamento” das democracias de mercado; uma neo-isolacionista com George Bush filho; ainda com este Presidente, no pós-11 de Setembro, assistiu-se à adopção de uma orientação revolucionária destinada a transformar furiosamente a ordem internacional para, depois de 2006 – ano que confirma a débâcle no Iraque –, se dar um regresso à estratégia conservadora; finalmente, Barack Obama adoptou uma estratégia de Retraimento. Ora, por maioria de razão, é ainda muito mais provável que tal aconteça com Donald Trump, pela sua natureza e também pelas grandes divisões que existem dentro da sua administração.

Se para a Europa é importante fazer tudo o que for possível para manter o vínculo transatlântico, para Portugal tal é vital. Pela geografia, a política externa portuguesa assentou quase sempre num equilíbrio entre a terra e o mar, isto é, entre a Europa e o Atlântico. O continente europeu é o espaço de localização do país, mais concretamente no seu extremo ocidental. O Oceano Atlântico é a sua segunda fronteira e a compensação vinda do mar, que atenua a pressão terrestre.

Não é exagerado dizer que toda a estratégia internacional de Portugal assenta numa permanente balança entre a terra e o mar. Sempre que tivemos de escolher um ou o outro – o nosso velho pesadelo -tornámo-nos marginais nos dois. Por isso, ter de optar entre os EUA (e o Reino Unido) e uma Europa continental liderada pelo eixo-franco alemão é o equivalente a um indivíduo ter de escolher amputar a perna direita ou a esquerda: é uma escolha impossível.

Por todos estes motivos, em vez de os líderes europeus se virarem contra os EUA, o melhor é mesmo inspirarem-se nos Guns N'Roses e dizer a Donald Trump: meu doce, leve o tempo que precisar, nós temos tudo o que é necessário para fazer isto resultar

Tiago Moreira de Sá, Universidade Nova e IPRI-NOVA 

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