"Hope is back again!"
As eleições britânicas vêm ajudar à discussão do futuro da social-democracia.
Ia ser um passeio. May era a nova Thatcher, Corbyn ia enterrar-se, e acabava-se definitivamente a guinada à esquerda que ele imprimiu ao Labour desde 2015, contra o velho New Labour blairista, o partido que fizera a guerra do Iraque, não revertera a devastação privatizadora do thatcherismo e dera seguimento ao desmantelamento do Welfare State britânico. Andavam eufóricos todos aqueles que, horrorizados com esse Corbyn chavista (é o que lhe chama Boris Johnson, os jornais de Murdoch ou os nossos pregadores anti-geringonça), sabiam de boa ciência que Corbyn, velho de 68 anos, era "inelegível", um homem da "extrema-esquerda" que, como se escreveu por cá, "ainda não percebeu em que século estamos".
Afinal, Corbyn juntou 40% dos votos (mais 9,6% que em 2010), e, sem discutir a legitimidade do voto no "Brexit", assumiu propostas sociais e económicas claramente antiliberais que lhe atraíram mais 3,5 milhões de votantes. Os seus 13 milhões de votos de quinta passada tiraram a maioria absoluta a May e representam o melhor resultado do Labour em vinte anos e superam amplamente as maiorias de Blair em 2001 e 2005. É verdade, claro, que os conservadores ganham as eleições, com 42%, mas porque conseguiram absorver 2/3 dos 3,5 milhões de votos perdidos pela extrema-direita do UKIP, fechando a recomposição da direita britânica e o regresso de um nacionalismo economicamente liberalão (sim, é possível que ele seja assim), a mesma lógica, afinal, que levou Trump ao poder.
O que explica, então, que haja mais gente a votar, num dos países onde a abstenção, desde Blair, batia recordes? O que explica a remobilização da esperança política? É que, por fim, os eleitores britânicos sentiam ter uma escolha clara. Quanto mais Corbyn prometia aumentar os impostos das grandes fortunas e se comprometia a aumentar o IRC de 19% para 26%, renacionalizar os caminhos de ferro, os correios e a água, ou prometia reconstituir um sistema público de distribuição da energia; quanto mais Corbyn prometia acabar com as propinas nas universidades públicas (contrariando tudo quanto o governo Blair fizera, transformando as universidades nas mais caras e elitistas da Europa); quanto mais o manifesto eleitoral trabalhista era, por tudo isto, descrito como "marxista extremista" e "amigo dos terroristas" por rejeitar abertamente a política conservadora (e de Blair, em 2001) de "suspensão" de direitos humanos em nome da "segurança"; quanto mais Corbyn tinha coragem para denunciar a responsabilidade da intervenção militar ocidental no Médio Oriente como uma das causas evidentes do terrorismo jihadista; tanto mais se confirmava a sua capacidade de re-sintonizar com o eleitorado popular (e, em especial, os jovens) que, exasperado com o Blair-igual-a-Thatcher-igual-a-Cameron, tinha optado, nas eleições de 2010 e 2015, pela abstenção ou pela extrema-direita do UKIP.
As eleições britânicas vêm ajudar à discussão do futuro da social-democracia, forçada a tomar posição nesta era de autoritarismo securitário, que procura fundir desmantelamento de Estado social com reforço e sinistra sofisticação de um Estado Big Brother; em que aqueles que dizem que só a manutenção da hegemonia ocidental pode assegurar a paz no mundo podem chamar-se Trump e falar de "America First" ou estar à frente da NATO e pretender um condomínio ocidental do mundo. O blairismo e as Terceiras Vias da social-democracia liberal, que triunfaram desde o final dos anos 80, conduziram este campo político a buracos tão fundos quanto aqueles em que caiu o Labour até 2015, o SPD e Dijsselbloem, o PASOK, o PSOE, Hollande/Valls, Renzi - e, entre nós, não o esqueçamos, Sócrates. Se Corbyn tiver razão quando diz que a "política mudou e não vai voltar para dentro da caixa onde a tinham fechado", pode contribuir decisivamente para constituir essa frente dos que partilham a "esperança em que isto não tenha que ser assim (...), que se pode pôr fim à austeridade, que podemos fazer frente às elites e aos cínicos" (Corbyn, discurso de encerramento da campanha eleitoral).
Vá, e agora chamem-lhe populista...