O lobby da energia: carrasco ou vítima?
A questão que se deverá colocar é a de se saber se as empresas cotadas podem continuar a brincar com os portugueses (e com a Justiça) e até quando.
O que quereria dizer o ex-ministro Eduardo Catroga, na conferência de imprensa convocada pelos responsáveis da EDP para darem explicações sobre o processo criminal que se abateu sobre aquela empresa, ao afirmar que “não se brinca com as empresas cotadas”?
A leitura mais evidente foi a de que estava arrogantemente a recriminar/ameaçar o Ministério Público (MP) por ter ousado incomodar a excelsa EDP e os seus dirigentes com um processo crime que não tem qualquer sentido já que tudo foi feito dentro da lei e os negócios que estão em causa não aumentaram, antes pelo contrário, fizeram diminuir os rendimentos a que a EDP tinha direito.
Apesar de esta narrativa enunciada na conferência de imprensa, em que o lobby energético não é um lobo mas um carneiro, não pareça muito crível, poderá, de facto, ser assim: o MP tem uma mão cheia de nada, num processo crime aberto a partir de uma denúncia anónima, respeitante a uns já velhos acordos de compensações financeiras celebrados entre o Estado e a EDP e, para evitar prescrições, decidiu constituir uma molhada de arguidos.
Na verdade, o processo respeita a questões já ocorridas há bastante tempo. Terá sido uma denúncia anónima que deu origem ao processo e a constituição de arguidos, nos termos da lei, interrompe o prazo de prescrição, o que sempre poderá ser muIto conveniente para o MP manter o processo em lume brando. Mas será só isso?
O comunicado emitido pelo MP limita-se a referir que o inquérito tem como objeto “a investigação de factos subsequentes ao processo legislativo bem como aos procedimentos administrativos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)” e que estarão em causa “factos suscetíveis de integrarem os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e participação económica em negócio”.
Seria de esperar que na conferência de imprensa, convocada pelos responsáveis da EDP, se percebesse melhor o que está em causa uma vez que o processo não estará sob segredo de justiça e que a constituição de arguidos implica, nos termos da lei, que haja fundadas suspeitas da prática de crime pelos mesmos. Mas na conferência de imprensa, o responsável máximo da EDP, para além de se referir a questões técnicas, limitou-se a garantir que todos os negócios que estão em causa respeitaram a lei e já foram escrutinados por inúmeras instâncias, europeias inclusive. Em conclusão: os responsáveis da EDP nada terão encontrado no processo que justifique sequer a existência do próprio processo.
Estarão, assim, os responsáveis pelo inquérito criminal a brincar com uma empresa cotada, como sugeriu o ex-ministro? E, ainda, por cima uma das maiores empresas do nosso país? E terá sido só por desfastio, que constituíram como arguido o presidente do conselho administração em exercício dessa poderosa empresa?
Não é assim que pensam inúmeras pessoas presumivelmente bem informadas e providas de capacidades de raciocínio seguramente não desprezáveis; se lermos os mais diversos jornais nacionais e, mesmo as televisões, constatamos muitas vozes e de diferentes sectores de opinião, que não ficaram satisfeitas com as explicações dadas na conferência de imprensa, apontando a profunda irracionalidade que representam as elevadas rendas pagas à EDP pelo Estado e manifestando a expectativa que da investigação surja algo de mais substancial.
No fundo, há duas hipóteses: ou o MP não tem nada de grave no processo e teremos uma lamentável entrada de leão e saída de sendeiro ou, então, estamos a assistir a uma réplica de grande intensidade do violento terramoto político e social que, a partir de 2014, expôs publicamente e abalou uma parte central da complexíssima rede de negócios e interesses e de circulação de lugares e cargos em que o poder político nacional, depois do 25 de Abril de 1974, ficou capturado. A ser assim, a questão que se deverá colocar é a de se saber se as empresas cotadas podem continuar a brincar com os portugueses (e com a Justiça) e até quando.
Quanto ao episódio do professor Manuel Pinho e da sua cátedra na Universidade da Columbia, o mesmo seria cómico se não fosse insultuoso para os portugueses que pagam uma das electricidades mais caras da Europa.