Apoio dos unionistas a May pode fragilizar a paz e dificultar o “Brexit”

Antigo chefe de gabinete de Blair teme que Governo britânico perca a neutralidade que lhe garante o papel de mediador entre DUP e Sinn Féin.

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Alex Foster, a líder do DUP, a celebrar os resultados do seu partido em Belfast EPA

O Partido Democrático Unionista (DUP) é um dos grandes vencedores das legislativas britânicas – ganhou a totalidade dos votos nos círculos de maioria protestante na Irlanda do Norte e os dez deputados que elegeu fazem dele o único esteio que pode manter Theresa May no poder. As condições dos unionistas para apoiar os conservadores não são ainda conhecidas, mas há quem tema que o preço possa ser demasiado elevado, complicando um pouco mais as negociações do “Brexit” e fragilizando o processo de paz já em crise.

Os unionistas foram rápidos a prontificar-se para um acordo que barrasse a chegada ao poder de Jeremy Corbyn, o líder trabalhista a quem acusam de ser um apoiante dos republicanos do Sinn Féin e, pior do que isso, do antigo do Exército Republicano Irlandês (IRA).  “Queremos que haja um governo. Temos trabalhado bem com May e a alternativa era simplesmente intolerável”, disse ao Guardian uma fonte do partido fundado pelo reverendo Ian Pasley, insistindo que enquanto o Labour “for liderado por um fã do IRA não lhe será permitida a entrada em Downing Street”.

Em causa não está uma coligação entre os dois partidos, mas um entendimento que assegure o apoio do DUP à legislação que vier a ser apresentada pelos conservadores. Em troca, os unionistas tentarão garantir a adopção das principais medidas do seu programa, uma sugestão que está já a criar calafrios em Londres, tendo em conta o perfil muito à direita do DUP (que se opõe, por exemplo ao casamento gay) ou as exigências antigas de um favorecimento económico à Irlanda do Norte (que seriam mal vistas na Escócia).

Mas há quem tema maiores consequências deste “casamento” de conveniência.

As instituições autónomas da Irlanda do Norte estão suspensas há meses, sem que o DUP e o Sinn Féin consigam chegar a um novo acordo de partilha de poder, o que fragiliza o processo de paz. Numa entrevista à Sky News, Jonathan Powell, que foi chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro Tony Blair, pediu a May que desista da ideia de uma aliança com o DUP, dizendo que só mantendo a neutralidade o Governo britânico pode continuar a mediar as tensões entre as duas comunidades. “Até [o antigo primeiro-ministro] John Major evitou entrar num governo com os unionistas porque sabia que o processo de paz assenta na capacidade do Governo britânico se manter neutro”, insistiu, dizendo temer que o Sinn Féin abandone as actuais conversações.

Um acordo pode também ter consequências nas negociações com a União Europeia, que têm na situação da Irlanda do Norte um dos seus pontos mais delicados. Ao contrário dos restantes partidos, o DUP apoiou o “Brexit” e tem feito pressão para que a vontade dos eleitores seja concretizada, ainda que na Irlanda do Norte 56% se tenham oposto à saída da UE.

Num sinal das complicações adicionais que esta aliança poderá ter, Nigel Dodds, chefe da bancada do DUP em Westminster, explicou ao Guardian que o DUP só apoiará May se esta lhe garantir que o acordo final com a UE não irá prever um estatuto especial para a Irlanda do Norte, como propõe o Sinn Féin. Para os republicanos, este estatuto seria uma garantia de que a fronteira com a República da Irlanda terá o mínimo de controlos possíveis quando o Reino Unido sair da UE. No entanto, o DUP (que também se opõe ao restabelecimento dos controlos fronteiriços anteriores ao acordo de paz) teme que o estatuto especial crie entraves ao comércio com o resto do Reino Unido, “o principal mercado da Irlanda do Norte” e abra “a caixa de Pandora de movimentos independentistas de todo o tipo”, explicou o deputado.

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