Ser Trump por um dia (ou o exemplo do Porto)
Antes de resolvermos a Síria, podemos começar por tirar os muros com rodas dos nossos centros históricos. O Porto conseguiu porque o Porto se mexeu.
Sei que Theresa May está disposta a rasgar a carta dos direitos humanos — e é difícil imaginar um líder de um país democrático a defender uma ideia pior. Mas esta semana nenhuma má notícia conseguiu diminuir o meu entusiasmo pela boa notícia que veio do Porto.
Na segunda-feira, o presidente da câmara Rui Moreira pôs em prática um novo código que regulamenta a circulação dos transportes turísticos na cidade. Sim, vamos ser Donald Trump por um dia e olhar apenas para o que se passa na nossa rua. Podemos adiar a resolução dos problemas porque há sempre problemas maiores. Ou resolver aqueles cuja solução está nas nossas mãos.
Confesso que me sinto menos sozinha. Há anos que fotografo e filmo os “autocarros ocasionais”, os open-top e os tuk tuk que sobem e descem a minha rua em Lisboa, entupindo a vida a tudo e todos. Os “ocasionais” são os piores. Autênticos muros com rodas, na expressão que roubo a um vizinho, são tão desproporcionadamente grandes que chegam a precisar de dez minutos para fazerem a curva a caminho da Sé Catedral. Uma vez lá em cima, param à porta da igreja para que os turistas vejam o monumento nacional. E de facto vêem, mas uma nesga apenas porque, à porta da Sé, está... o autocarro que os trouxe.
Na Torre dos Clérigos, no Porto, era mais ou menos assim. Os autocarros paravam à porta para deixar os turistas (e são muitos: no ano passado, 625 mil compraram bilhete). Ao lado, os tuk tuk paravam em segunda fila e, pelo caminho, os open-top ficavam parados a funcionar como bilheteiras. Telefonei ao presidente da Câmara para perceber o processo. A filosofia é simples: “A cidade não pode ficar sitiada pelo turismo.”
O novo regulamento define trajectos (impedindo a circulação em ruas estreitas); impõe um limite de pontos de paragem (em vez da porta dos Clérigos, os transportes turísticos ficam ao pé do Palácio da Justiça; em vez de descerem até à Ribeira, ficam entre a Alfândega e a Bolsa); um máximo de três minutos de paragem; proíbe a circulação nas zonas residenciais; limita o número de veículos por operadora (12); o número de empresas de tuk tuk na cidade (quatro), e impede-os de usarem a faixa bus. Ao mesmo tempo, as novas taxas de licenciamento foram desenhadas de modo a incentivar consumos ecológicos: quanto mais veículos eléctricos ou a gás as operadoras tiverem, menos taxas pagam. E se aceitarem ter um sistema de GPS que permita uma fiscalização remota, têm descontos. As normas ambientais vão endurecer ao longo dos próximos dez anos e o objectivo é os transportes turísticos representarem "emissão zero" de dióxido de carbono em 2027.
E os “muros com rodas”? “São ocasionais, não podemos licenciar”, diz Rui Moreira. “Mas podemos usar as regras de trânsito e impedir-lhes o acesso. Como fez Barcelona.” Antes de resolvermos a Síria, podemos começar por aqui. O Porto conseguiu porque o Porto se mexeu.