“A obra de Paulo Nozolino está no topo da fotografia europeia”

Começou a La Fábrica com a revista Matador em 1995. E três anos depois fundou o festival PhotoEspaña, quando, em Madrid, não havia mais do que seis exposições de fotografia.

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Antigo jornalista que passou pelo El País e El Mundo, um homem a quem nunca parecem faltar ideias. Entre os seus artistas preferidos está Paulo Nozolino, alguém que “está no topo da fotografia europeia” Trienal no Alentejo

Alberto Anaut só tem uma fotografia na parede do pequeno gabinete na sede da La Fábrica, empresa polifacetada dentro do universo da gestão cultural madrilena. É de Robert Frank, foi tirada em 1949 e mostra duas raparigas a olhar de soslaio numa praia de Valência. É uma escolha reveladora do seu gosto pela fotografia documental dos grandes mestres e demonstra um minimalismo surpreendente, se se considerar que foi da cabeça deste homem que, há mais de 20 anos, saiu a ideia de organizar um festival de fotografia já com milhares de exposições no currículo. Este ano, o PhotoEspaña comemora a XX edição. Para o ano, celebra 20 anos. Serão dois anos de fiesta. O número de visitantes do festival tem crescido, está perto de um milhão, mas Anaut (Madrid, 1955), um antigo jornalista que passou pelo El País e El Mundo, um homem a quem nunca parecem faltar ideias, mostra-se despreocupado. “Não gosto de números redondos.” Entre os seus artistas preferidos está Paulo Nozolino, alguém que “está no topo da fotografia europeia”. Conversa numa salinha sem tecto, por onde entrava uma “banda sonora” de dezenas de pessoas a trabalhar para o arranque da XX edição do PhotoEspaña.

Passou do jornalismo para a gestão cultural. Voltaria a essa profissão se lhe fosse colocado algum desafio?
Não. Fui feliz no jornalismo, dediquei-lhe muitos anos, desfrutei muito, mas é uma etapa passada. A decisão de fundar uma empresa relacionada com projectos culturais, a La Fábrica, e a gestão de festivais que acontecem todos os anos é um compromisso muito forte. Podemos abandonar o jornalismo e não acontece nada, mas se abandonarmos uma empresa isso tem consequências. Estou fora do jornalismo há muito, mas continua a atrair-me e, de vez em quando, tenho conversas com amigos que ainda estão na profissão. Talvez tenha sido o período mais divertido da minha vida profissional. Não me vejo a voltar. Mas lembro-me de quando vim embora. Porque começaram a acontecer coisas com as quais não me identificava, esta preponderância dos grupos, esta angústia com as vendas de cada número. Nessa altura, dizia que não estava em prime-time e pedia que não me pusessem louco. 

Pode recordar-nos o momento em que pensou fundar a La Fábrica? Que ambições tinha nessa altura?
Estávamos no início dos anos 90. Trabalhava no El País e, em 1994, nomearam-me subdirector do jornal. Mas [passar para o jornal diário] não era uma coisa que me apetecia fazer verdadeiramente. Gostava mais de fazer a revista do que o jornal. Andava há um par de anos com várias ideias na cabeça, a revista Matador, um festival de fotografia. A Matador já estava muito bem pensada. Eu não me lanço simplesmente, lanço-me por um motivo. Dei umas voltas e pensei: “Não gosto do que estou a fazer no jornal.” Não era um trabalho fino, tinha de fazer com que as coisas acontecessem. Praticamente, já tinha decidido. Tirei uma semana de férias em Menorca, para pensar tranquilamente. Cheguei a Madrid e disse ao director que me ia embora. Num ataque de vaidade, ainda fui dirigir a revista do El Mundo. Mas saí do jornalismo em 1997, o PhotoEspaña nasceu na Primavera de 1998.

A revista Matador – que foi um dos seus primeiros projectos e que reúne o melhor do mundo da arte nas suas mais diversas manifestações – parece uma utopia concretizada.
A Matador é um sonho. Nasceu em 1995 com a ideia de se publicar até 2022. Ora, 2022 está perto e estamos angustiados com a ideia do fim. Faltam seis números. Há gente que me diz que vamos encontrar outra maneira de continuar, com o alfabeto em letra minúscula… para acabar com esta angústia, decidimos fazer uma coisa diferente e paralela, a cada semestre. Criamos um dicionário de vidas ilustres, que não será mais do que um dicionário de criadores contemporâneos, que vamos fazer durante seis anos, de “A” a “Z”, como em qualquer dicionário.

E qual será o primeiro criador da lista?
Marina Abramovic.

Serão pequenas biografias?
Sim. Mas não será só isso. Vamos pedir aos artistas que escolham uma obra sua que queiram mostrar ou então que façam uma original para a revista. O primeiro número terá a Helena Almeida, como não podia deixar de ser. Mas é uma selecção muito arbitrária, é a nossa selecção, o que não quer dizer que os que não estejam sejam piores, simplesmente escolhemos estes. Haverá apenas criadores contemporâneos e as escolhas vão de cozinheiros a cineastas.

Foi a sua experiência a dirigir revistas de domingo que o despertou para o universo da fotografia?
Antes disso já gostava muito de fotografia. Com 14 anos comprei uma câmara e montei um laboratório na minha casa. Mas quando comecei a trabalhar com fotografia na La Fábrica, deixei de fazer fotografia. As minhas fotografias não valem nada, não têm interesse nenhum. Mas, sim, creio que foi no jornalismo onde mais aprendi sobre fotografia, sobretudo no El País Semanal.

Quer revelar-nos um pouco dos seus gostos pessoais na fotografia? Que autores o estimulam mais?
Bem, é um pouco delicado que fale dos meus gostos pessoais neste campo, mas como não sou comissário de exposições, mas sim presidente de um festival de fotografia, posso dizer. Gosto da arte mais dura e não da branda. Na exposição de Pierre Molinier há uma fotografia minha que emprestei. É uma obra de que gosto muito. Descobria-a em Paris, li livros sobre ele e gosto muito. Gosto mais da fotografia séria, do seu lado mais duro e ensaístico. Sinto-me muito ligado à tradição documental, com gente como o Alberto García-Alix, que vem da linguagem do documental mas consegue dar-lhe uma marca pessoal. Também gosto dos fotógrafos tradicionais documentais, como Francesc Catalá-Roca, ou da corrente neodocumental, como Ferdinando Scianna ou a Cristina García Rodero.

São fotógrafos mais ligados ao ensaio de longo prazo…
Sim, são esses que me interessam mais. Eu gosto de ver uma fotografia boa, mas ela sozinha não tem nenhum valor. Fotografias boas toda a gente as pode fazer. O que é difícil é fazer dez fotografias boas. Na fotografia internacional, interessa-me o que foi feito nos anos 60 e 70, William Klein, Robert Frank [aponta para uma fotografia de Frank no escritório], Graciela Iturbide, Paulo Nozolino, de que gosto muito. E não o digo por ele estar nesta edição do PhotoEspaña nem por estar a falar com um jornalista português. Para mim, a obra de Nozolino está no topo da fotografia europeia, claramente. E entre as exposições que há este ano no PhotoEspaña o meu autor preferido é o Paulo Nozolino. Nas fotografias dele vê-se mais ao quinto minuto do que ao primeiro… é um homem duro, gosto dele como pessoa também. Na fotografia espanhola também gosto do Cristóbal Hara. Noutra linha, gosto do Chema Madoz, um homem de um talento e de uma inteligência enormes. E de outra geração, gosto do trabalho de Ricky Dávila.

O festival cumpre este ano a sua 20ª edição. E para o ano comemorará 20 anos de existência. Não lhe vou pedir um balanço, mas gostava que me revelasse duas coisas: que projecto mais lhe custou ter deixado a meio ou de ter abandonado; e qual foi aquele que lhe deu mais gozo ver concretizado?
Gostava de ter feito uma exposição maior de William Klein. Ainda não tivemos uma exposição de Hiroshi Sugimoto, que já ganhou um prémio PhotoEspaña. Gostaria de ter feito também uma exposição melhor de Robert Frank, isto para falar apenas de nomes históricos. O que mais  prazer me deu fazer foi talvez a exposição de Alberto García-Alix no primeiro PhotoEspaña, que marcou o nível que tínhamos que prosseguir no festival. Foi uma exposição que serviu para revelar a obra de Alberto a um público mais alargado e para dizer “aqui há um fotógrafo”. Mas eu gosto do festival como um conjunto, a soma de todas as coisas, as exposições, os encontros, as actividades na rua, as actividades para crianças… creio que um festival que tem mais de 900 mil visitantes tem de ter tudo isto. Acho que o PhotoEspaña é respeitado, é sabido que aquilo em que se envolve tem qualidade.

Qual é o orçamento do PhotoEspaña?
Qualquer coisa entre os 1,2 e os 1,3 milhões de euros.

O festival é rentável?
Sim. Não é muito rentável, ficamos à justa. Mas não temos prejuízo.

A La Fabrica é uma empresa privada, mas faz o festival todos os anos com inúmeros apoios de instituições e públicas e outras empresas privadas. Acredita neste modelo - que na verdade é semi-privado - para as próximas edições?
Sim, mas tem os seu problemas e as suas vantagens. Primeiro a autoria do festival é partilhada, há muita gente implicada no êxito do festival. Ele não é só do La Fábrica. Depois, em termos orçamentais, é muito mais equilibrado, mais sustentável. Desta maneira, o festival não cai em cima de ninguém em particular. Creio que é um modelo que respeita o público. Como não temos uma maioria de financiamento público isso dá-nos bastante liberdade. É um modelo que temos há 20 anos e funciona. Se não fosse assim, como seria? Não vejo alternativas.

Maria García Yelo está a cumprir o seu terceiro ano na liderança do festival. Pode revelar-nos o nome do próximo comissário?
No próximo ano a direcção do festival vai ser feita pela Claude Bussac, porque ela, na verdade, sempre esteve a liderar o projecto. Em 2018 não haverá comissário-geral, porque continuaremos a festejar o 20.º aniversário. Ainda não está decidido, mas acredito que a partir de 2019 teremos outro comissário durante três anos.

E haverá carta-branca para outro fotógrafo no próximo ano?
Sim. Mas não queremos divulgar esse nome para já. Só posso dizer que é uma mulher fotógrafa.

Há muito que o PhotoEspaña deixou de ser um festival madrileno. As suas iniciativas estenderam-se a muitas regiões de Espanha. Não teme que esta hiperactividade possa secar outras iniciativas independentes mais pequenas que já existiam?
Honestamente nunca tinha pensado nesses termos. Mas creio que não. Em primeiro lugar, onde já exista um festival nós não vamos para lá. Quando me ligam a dizer que estão a pensar montar um festival de fotografia e que conselhos tenho, não hesito em dar 20. Porque quando começamos o PhotoEspaña também me deram conselhos. Sei que dar conselhos não prejudica. E beneficia quem os recebe. 

Há planos para voltar a ter uma presença em Portugal?
Não há planos, mas há total disposição. Só deixamos de ir a Portugal, porque o nosso principal financiador dessas deslocações era um banco que teve milhões de problemas [BES]. Se a situação económica ajudar, porque não?

E um festival de fotografia de raiz, à semelhança do que fez a Arco, com a ArcoLisboa?
Promover um festival é diferente de fazer uma feira. Um festival tem de estar mais enraizado na sociedade. Uma feira pode ser feita desde fora, mas para fazer um festival é preciso envolver todas as instituições locais, comissários, artistas… Um festival desta dimensão não pode ser organizado desde Madrid. São milhares de conversas, de negociações. Não está no nosso horizonte. Queremos que o festival se desenvolva e que cresça. Em 2017 cresceu um pouco e espero que em 2018 volte a crescer. Um festival faz-se de colaborações, se houver cidades portuguesas interessadas nesse esforço conjunto talvez o possamos fazer, mas montar um festival de raiz é complicadíssimo.  

Sente que mudou a face da fotografia espanhola com o PhotoEspaña?
De certa maneira, sim. No ano anterior ao nosso nascimento houve seis exposições de fotografia em Madrid. Contei-as. Tenho receio de me ter enganado, mas acho que não. Quantas há agora? Não sei bem, não as contei, mas pelo PhotoEspanha há cerca de 60 exposições, só em Madrid. No total, haverá umas 300. Há agora mais galerias e centros a mostrar fotografia.

Acredita que ajudou a criar uma cultura fotográfica na cidade?
Cresceram, por exemplo, iniciativas como aquela que estamos a fazer com o El País [publicação de livros com nomes reconhecidos da fotografia espanhola], que ajudam a formar públicos. Por outro lado, existem em Madrid boas escolas de fotografia, como a PIC.a e mais três ou quatro de qualidade. Acho que o panorama nos últimos anos mudou muito. Mudou por causa do PhotoEspaña? Acho que mudou com o PhotoEspaña. 

A edição do ano passado do festival chegou perto dos 950 mil visitantes. E quando chegar a um milhão?
Não sei. Nem sei se temos de chegar a um milhão. Este ano, fora e dentro de Madrid, chegamos às cem exposições e eu, honestamente, acho que são demasiadas. Gostava mais que fossem 94 do que 100. Mas acho que temos de dar aos números um peso muito relativo. Tudo depende de como correrem as exposições nos museus maiores, como o Prado, onde está o trabalho de Farideh Lashai. Nas instituições mais pequenas já sabemos mais ou menos quantos visitantes haverá. Mas os museus são uma incógnita. Até podemos chegar ao milhão um pouco sem querer. Não gosto de números redondos porque se transformam numa obrigação todos os anos. Se este ano chegarmos a um milhão e no próximo ano isso não acontecer, não quer dizer que tenhamos feito um festival pior.

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