Serralves em Festa a “quebrar muros” há 14 anos para que a arte chegue a todos
São 50 horas consecutivas de programação de diversas disciplinas artísticas de acesso gratuito. O evento termina este domingo, às 22h.
Nos jardins de Serralves, onde decorre o segundo dia da 14.ª edição do Serralves em Festa, este ano, pela primeira vez, com 50 horas non stop de programação composta por centenas de eventos sob o tema “Quebrar Muros”, há uma mescla de sons que chega das quase duas dezenas de palcos. Do court de ténis ouve-se a harmonia desconcertante criada por João Ricardo de Barros e Maria José Crisóstomo, que provam que é possível fazer música com cactos e barras metálicas. Perto do museu, há teatro de marionetas que discutem umas com as outras numa língua desconhecida, mas perceptível para o público composto maioritariamente por crianças.
Há os que optam por aproveitar o sol junto ao Palco do Prado, alguns resistentes da noite anterior que nada se importaram com o alargamento da programação do habitual fim-de-semana à sexta-feira anterior, e os que preferem o recinto fechado da biblioteca para experimentar a performance de live art Sintomas e Manifestações Associadas, da responsabilidade das Belas-Artes do Porto.
O leque da oferta é alargado. Entre visitas guiadas ao jardim e ao museu, música, dança, circo contemporâneo ou teatro, o mais complicado é escolher. No Arboreto, perto da Casa de Serralves, o FITEI montou um espaço de conforto. Estão lá sete camas ao ar livre, que se tornam um espaço de partilha para desconhecidos. Aproveita-se para uma sesta e para recuperar forças para o resto do evento.
Esta vida são três dias
Este ano a festa começou mais cedo. São mais dezhoras do que em anos anteriores que se somaram às habituais 40 horas de programação. Na sexta-feira, passa uma hora desde que a edição deste ano arrancou e Lula Pena abre o Palco do Prado acompanhada pela harpista espanhola Angélica Salvi e pelo saxofonista neozelandês Hayden Chrisholm. A noite ainda não caiu na totalidade e Lula toca para um público que se espalha pelo anfiteatro natural, ainda longe das enchentes habituais naquela zona do jardim. “Fosse sempre assim”, há quem diga. Ainda é cedo. É hora de jantar e as portas abriram há pouco mais de duas horas.
Ao mesmo tempo tocam os VEER na Clareira das Bétulas. A dupla entrega um pop rock com algumas incursões pela electrónica para um grupo de pessoas que se senta em torno do estrado. Quem lá está vai metendo um olho na banda e o outro nas projecções que passam numa das paredes do auditório onde na mesma altura José Ramos Horta, Prémio Nobel da Paz 1996 e ex-Presidente e primeiro-ministro de Timor, fala na conferência Os caminhos da Ásia.
Não muito longe dali, no Parterre Central, frente à Casa de Serralves, há silêncio e alguma tensão no ar. Há medo, ansiedade, expectativa e mesmo alguma adrenalina. Chloé Moglia, acrobata da companhia Rhizome (França), aguenta-se com o próprio corpo numa trave curvada a uma distância do solo suficiente para afastar quem não se sinta confortável com alturas. Em Horizon, o nome do espectáculo de circo contemporâneo, Chloé contrabalança o esforço físico com a elegância de movimentos de tal forma fluidos, embora lentos, que parece executar o número sem que tenha de batalhar com o desgaste, mesmo quando a dada altura aguenta todo o peso do corpo apenas numa das mãos. Quando se prepara para descer da barra sente-se um alívio. Chega ao solo, depois de 25 minutos, há uma salva de palmas catártica e ouve-se o reconhecimento do público: “Bravo, bravo!”
A noite de sexta-feira, com menos eventos sobrepostos, permite ao visitante mais saltitante espreitar um pouco de todos os espectáculos. Se for essa a intenção, basta ter vontade de caminhar e algum sentido de orientação para ir saltando de palco em palco.
Por volta das 22h, quem passou pelo palco do court de ténis deu de caras com um trio empenhado em querer que o público se levante das cadeiras na terra batida. Aos Vaiapraia e as Rainhas do Baile está associado o queer rock, o riot grrrl e outros quejandos. Não são mais do que um segredo bem guardado, três pós-adolescentes, duas raparigas e um rapaz, que se apoiam numa amálgama do que foi feito por algumas bandas dos anos 1990, que por sua vez se apoiavam noutra amálgama, mas das duas décadas anteriores, com raiz no circuito punk e pós-punk. Rock directo, com atitude, ora com base em composições de guitarra ora com o baixo a servir de motor, alternando pela distorção ou pelo som limpo.
Muito longe da sonoridade rock baseada no Ocidente está o Le Groupe Acrobatique de Tanger, que arrastou para a Clareira das Azinheiras uma multidão que encheu por completo as bancadas improvisadas e as cadeiras que estavam frente e atrás do palco. Circo contemporâneo do Magreb a apresentar o espectáculo Halka.
Depois das 23h de sexta-feira, o jardim de Serralves está com muita gente, mas sem apertos. Continua a entrar público. Há quem opte por espreitar a exposição do museu Colecção de Serralves: 1960-1980, por ver cinema de Jean-Luc Godard nas Bétulas ou escolha o concerto de Sensible Soccers com Laetitia Morais, que apresentam na integra o álbum Villa Soledade para um público que agora já preenche o Prado.
Há quem tenha vindo preparado e se resguarde do pouco frio que faz dentro de um saco-cama. Prepara-se para acampar ao relento?, perguntámos. Não temos resposta.
Até às 22h de domingo a festa continua, serão os concertos de 00/00 e Claiana a encerrar a 14.ª edição do Serralves em Festa no Palco do Prado e do Ténis, respectivamente.