“Não conheço nada igual a isto”
A estreia em Portugal dos Pyramids, uma banda de culto do free jazz americano vinda dos anos 70, o concerto da veterana banda inglesa pós-punk The Pop Group ou o espectáculo de circo contemporâneo da companhia francesa Les Philébulistes são alguns dos pontos altos de um Serralves em Festa que poderá bater o recorde de 140 mil visitantes registados em 2014.
Os últimos números de visitantes que conseguimos apurar são de domingo às 15h00 e apontavam para uma afluência muito ligeiramente superior à que se registara na última edição à mesma hora, o que quer dizer que, no final, poderá eventualmente chegar às 150 mil pessoas, já que o Serralves em Festa de 2014 recebeu um pouco mais de 140 mil visitantes.
Um dos momentos obrigatórios desta 12.ª edição do Serralves em Festa, que termina esta meia-noite de domingo e inclui mais de 250 espectáculos, era o concerto dos Pyramids, uma banda de culto da cena underground do free jazz americano dos anos 70, renascida em pleno século XXI, e que nunca tocara em Portugal. O grupo do saxofonista e multi-instrumentista Idris Ackamoor actuava no palco montado no Prado, uma grande extensão relvada no parque de Serralves, cenário dos concertos potencialmente mais concorridos, e não foi muito fácil lá chegar, que o fluxo ininterrupto de gente que vinha em sentido contrário era tão compacto que só se conseguia avançar devagar.
Era tanta gente que parecia haver motivos para se recear que o concerto dos Pyramids estivesse a revelar-se tão decepcionante que afugentara a multidão. Na verdade estava a ser óptimo – talvez tenha sido mesmo o grande concerto deste Serralves em Festa – e o Prado, se não estava tão completamente apinhado como viria a estar a partir da meia-noite, com a actuação da banda pós-punk inglesa The Pop Group e dos restantes grupos que animaram a Festa no Prado até raiar o dia, acolhia, ainda assim, uns confortáveis milhares pessoas.
O sexagenário Idris Ackamoor estava imparável, quer tocando saxofone e vários outros instrumentos, quer virando costas ao público e fazendo as vezes de maestro alucinado, puxando por uma banda que, aliás, não parecia requerer quaisquer incitamentos suplementares. No final, Ackamoor apresentou, um a um, os cinco músicos portugueses com quem trabalhara num workshop de dois dias e que o acompanharam em palco.
Um dos espectadores, João Paulo Ferreira, viera propositadamente de Lisboa, e não estava nada arrependido. Nesta sua primeira experiência no Serralves em Festa, já tinha visto dança contemporânea, tencionava ficar para a noite, e apreciara particularmente o concerto a que acabara de assistir. “Gostei muito, são bons músicos, é gente que veio da escola do Cecil Taylor”, disse, mostrando que sabia ao que vinha.
Matteo arranja emprego
Igualmente satisfeito estava Matteo Corgnati, um italiano de 29 anos que se encontra há dois meses no Porto, no âmbito de um programa europeu de serviço voluntário, a trabalhar na Casa da Horta, uma associação cultural que gere um restaurante vegetariano na Ribeira e promove diversas actividades, sobretudo de carácter ambiental. Matteo trabalha na comunicação dada a sua experiência como jornalista freelance no La Stampa e noutros jornais italianos. No meio de toda aquela gente, “foste logo encontrar um colega”, observou em português surpreendentemente fluente, puxando da carteira profissional.
Tinha chegado às 11h00 e já se fartara de ver coisas. “É defeito profissional: sou curioso e quero ver tudo”, afirmou. “Não conheço nada como isto”, disse, realçando quer as dimensões e a beleza do parque, quer a quantidade e diversidade dos espectáculos previstos”. Explicando que “em Itália já não era possível sobreviver como freelancer”, aproveitou esta oportunidade de trabalhar um ano em Portugal”.
Voltaríamos a encontrar Matteo às primeiras horas da madrugada, no concerto dos Pop Group, ligeiramente irritado por não ter conseguido ir ver o circo dos Les Philébulistes. “Cheguei meia hora antes, a achar que era mais do que suficiente, e já não consegui lugar”. Foi pena, que o espectáculo merecia ser visto. A Clareira das Azinheiras, onde actuou este quinteto de circo contemporâneo, até comporta 800 espectadores sentados, mas os que faziam fila para entrar eram provavelmente mais do dobro.
Se ao final da tarde, se viam piqueniques improvisados um pouco por todo o lado – alguns de considerável dimensão, com várias toalhas justapostas e uma proliferação de tupperwares com croquetes, rissóis, panados, enchidos ou nacos de broa, e ainda pacotes de batata frita, refrigerantes e garrafas de vinho –, muitos aproveitaram também para jantar antes do circo. Como o espectáculo só começava às 22h00 e quem o quisesse ver tinha de arranjar lugar com uma hora de antecedência, uns mastigavam os cachorros e crepes comprados nas barraquinhas da festa, outros comiam calmamente, munidos dos competentes talheres, as refeições que tinham trazido de casa.
Quando as luzes finalmente se apagaram, a indicar que o espectáculo ia começar, ouviram-se uns sons de galhos partidos, e juntou-se à assistência um pequeno grupo de “penetras” que atravessou a vegetação cerrada no lado oposto ao da entrada oficial. Não devem estar arrependidos do esforço. O grupo francês trouxe um espectáculo montado em torno da 5.ª Sinfonia de Beethoven e de uma espécie de trapézio gigante, no qual reflectia sobre a própria condição do trapezista de circo, do medo da queda à necessidade de prosseguir a actuação quando as coisas correm mal.
Alguns momentos foram muito bonitos, outros bastante divertidos, como uma espécie de duelo de wrestling em versão circense, ou uma sucessão surrealista de mergulhos temáticos, que em homenagem ao público local incluiu mesmo um mergulho-francesinha.
Enquanto se ia de um espectáculo para outro, acabava-se sempre por deparar com alguma coisa pelo caminho que nos fazia parar, com sucedeu com um surpreendente concerto de percussão que o Ensemble Gamelão estava a dar em frente à Casa de Serralves, ao princípio da noite, tocando um instrumento colectivo indonésio com origens milenares e que inclui vários tipos de xilofones e gongos.
A noite de sábado acabou com a Festa no Prado, aberta pelos Pop Group, uma banda pioneira do pós-punk britânico, liderada pelo vocalista Mark Stewart, que lançou em Fevereiro o disco Citizen Zombie, quebrando um silêncio de 35 anos. Por volta da meia-noite, os milhares de visitantes que se tinham espalhado pelos múltiplos lugares onde decorriam espectáculos começavam a convergir para o prado, onde muitos aguentaram firme até altas horas da madrugada, assistindo ao notável concerto dos Paus, com as suas duas baterias siamesas unidas por um bombo comum, e depois aos (italianos) Ninos du Brasil e aos DJ’s alemães Don’t DJ e Mr. Mueck.
Não faltava muito para chegarem os primeiros visitantes de domingo, que vinham para o segundo dia desta maratona de todas as artes. Para o ano há mais.