Enfrentar a solidão na velhice
Há um mito sobre a solidão que a considera uma característica dos mais velhos. Sabemos, no entanto, que a solidão é mais sentida no grupo dos 15-24 anos, descendo nas faixas etárias seguintes e crescendo novamente nas pessoas mais velhas, sobretudo com 80 ou mais anos.
Em 2011 havia em Portugal 406 942 famílias unifamiliares de pessoas com 65 ou mais anos (INE, 2011), ou seja, aproximadamente 20% das pessoas mais velhas viviam sós.
O conceito de solidão diferencia-se claramente do de isolamento social, que corresponde à ausência de contactos sociais, provocada por condições objectivas do contexto social e físico em que as pessoas habitam - zonas remotas ou urbanas – quando não há contactos, por ausência ou inacessibilidade de família, ou redes informais de vizinhança que prestem apoio.
O sentimento de solidão pode resultar desse isolamento social ou não decorrer dele - é completamente subjetivo. Pessoas que vivem isoladas ou sempre viveram isoladas, nomeadamente por opção pessoal, podem não sentir solidão, mesmo quando sentem falta de apoios para a manutenção da vida. Da mesma forma, o estar rodeado de gente não resolve os sentimentos de solidão, como se verifica em muitas situações de institucionalização.
A solidão acontece sempre que os indivíduos não interagem com os outros ou o fazem menos do que o que desejariam. Isto quer dizer que não há uma medida de solidão que se aplique a todos e seguramente não corresponde ao viver só, ainda que isso possa potenciar esse sentimento.
Há um mito sobre a solidão que a considera uma característica dos mais velhos. Sabemos, no entanto, que a solidão é mais sentida no grupo dos 15-24 anos, descendo nas faixas etárias seguintes e crescendo novamente nas pessoas mais velhas, sobretudo com 80 ou mais anos (Dykstra, 2009). De facto, a solidão explica-se sobretudo por a) características sociais da rede relacional; b) o padrão e expectativas das relações da pessoa com os outros e c) a baixa autoestima que inibe o sujeito ou retrai os outros de interagirem.
Solidão em Portugal
Em Portugal, num estudo de 1266 pessoas com uma média de idade de 70 anos, verificou-se uma prevalência de 4.6% de pessoas que sentem sempre solidão e 11.7% de pessoas que referem a solidão como frequente. Apesar de apenas 7% das pessoas terem uma rede social pequena, e 20% viverem sozinhas, não havia coincidência entre a extensão da rede, a coresidência e o sentimento de solidão. Verificou-se que a solidão era mais frequente nas pessoas mais velhas, nas mulheres, nos viúvos, nas pessoas com menor escolaridade, nos que viviam sozinhos, nos que tinham depressão ou défice cognitivo.
Concluindo, a solidão é uma experiência subjetiva negativa que causa sofrimento, pode resultar da perturbação psicológica ou, pelo contrário, contribuir para a diminuição da saúde física e mental.
O que fazer para prevenir a solidão: Passa por ações diversas do indivíduo e da comunidade.
A nível do indivíduo há que:
1. Cultivar boas relações com os outros, através da aceitação e partilha empática, tolerância à diferença e procurando os aspetos positivos nos que nos rodeiam e nas suas opções, com a bonomia e a sabedoria que a aprendizagem ao longo da vida facilita.
2. Cuidar das redes sociais mais alargadas de vizinhos e amigos. Compensar as perdas inevitáveis entre os pares com a entrada de novas pessoas que não substituem as que partiram, mas enriquecem as relações e fortalecem a rede.
3. Preparar a vida pós reforma, sem perder colegas e amigos e deixar vazios inúteis.
4. Não desistir nunca do espaço próprio de participação na comunidade ou abdicar da própria voz.
A nível da comunidade devemos:
1. Criar espaços comunitários abertos, cruzados por todas as gerações, que substituam a função do “ir à fonte” e dos adros das igrejas, como espaços informais de lazer e informação, pontuados com realizações de eventos significativos, consensualizados entre os participantes.
2. Organizar bancos de voluntariado, abertos e flexíveis que possam enquadrar pessoas diversas, em horários distintos, com objetivos instrumentais, mas sobretudo objetivos afetivos, de troca de vivências.
3. Ás expensas do familismo de país do Sul que nos caracteriza, não podemos disfarçar que a solidão existe e faz mal. Na marmita assistencial há que integrar inequivocamente os afetos. O contacto humano não é contudo um objeto de mestria técnica, deve ser sobretudo uma experiência emocional de vidas que se cruzam e que partilham a essência das relações humanas. A afetividade é de facto o único antídoto da solidão.
Constança Paúl CINTESIS, ICBAS, Universidade do Porto
Dykstra, P. (2009). Older adult loneliness: myths and realities Eur J Ageing. 6(2): 91–100. doi: 10.1007/s10433-009-0110-3
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