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O incerto futuro de uma escola sénior que é um porto de abrigo

A Universidade Internacional da Terceira Idade está num impasse. Ocupa um edifício municipal no Chiado que precisa de obras, mas não se quer ir embora enquanto a câmara não encontrar alternativas. A autarquia diz que a universidade não aceita nada. Quem mais sofre são os alunos.

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Margarida Basto
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É tão grande a multidão à porta do número 85 da Rua das Flores, em Lisboa, que poderíamos julgar ser um dia de festa na Universidade Internacional da Terceira Idade (UITI), aqui instalada desde 1978. Afinal não. Não há motivos para celebrar. O que moveu dezenas de alunos e professores a virem foi só a vontade de dar voz à indignação que sentem.

Mais cedo ou mais tarde, a UITI vai ter de abandonar o primeiro andar deste prédio, que pertence à Câmara Municipal de Lisboa e está urgentemente necessitado de obras. O problema é que até agora ainda não há uma solução alternativa, com a qual o presidente da câmara se comprometeu publicamente no fim de Janeiro. Com as aulas suspensas desde o início de Abril por motivos de segurança, os frequentadores da UITI temem que esteja à vista o fim do projecto – que, mais do que uma escola, é um porto de abrigo para muitos que não têm outra companhia.

Sentada numa sala de aulas desactivada mas hoje cheia de gente, Irene Passarinho é um desses casos. “Em casa só estou para dormir”, diz com um sorriso que disfarça bem os quase 90 anos de idade. Na juventude teve um atelier de bordados, depois foi trabalhar para a loja de electrodomésticos do marido, onde passou grande parte da vida. “No estabelecimento tinha sempre convívio e, por isso, quando fui para casa disse que aquilo não era vida, que tínhamos de sair todos os dias.” Ficou viúva há uns dez anos e foi na UITI que descobriu “a segunda família”.

“Levanto-me às seis e meia para me arranjar, tomar o meu café, deixar a casa arrumadinha e vir para aqui”, explica, constantemente interrompida pelas colegas que se desfazem em elogios à universidade e em demonstrações de carinho para com Irene, uma das alunas mais velhas. Mesmo não havendo aulas – nem jornalistas –, muitos utentes continuam a aparecer na instituição, nem que seja para tomar um cafezinho.

E a actividade da UITI também não parou totalmente. Nas paredes estão afixados papéis sobre excursões e visitas de estudo um pouco a toda a parte. As mais próximas são ao Museu Militar e à Marinha Grande. Na quarta chegou um grupo da Rússia. “Tem havido visitas lúdicas e culturais. Tem-se promovido as actividades externas”, refere Maria Isabel Cordeiro, funcionária da UITI.

Câmara e universidade contradizem-se

Ela é uma das pessoas que tem estado a arrumar a casa nas últimas duas semanas. Perante a incerteza do futuro, e sabendo que o prédio tem problemas estruturais, várias salas foram esvaziadas das mesas, cadeiras e outros materiais de trabalho. A UITI tem outro espaço na Rua da Emenda, mas não é suficiente para guardar tudo.

Nas divisões deste edifício pombalino havia, até há pouco tempo, dezenas de aulas. Costura, xadrez, línguas várias, artes decorativas, astrologia, Física, Psicologia, religião, História de Portugal, de Lisboa, da Idade Média e outras, pintura, bijuteria, olaria, música, ioga, dança, simbologia… A lista de disciplinas é extensa e todas têm adeptos. A prová-lo está o facto de a universidade ter quase 800 alunos actualmente e de já ter tido quase 14 mil nestes quarenta anos.

Maria Isabel Gonçalves, por exemplo, frequenta todas as cadeiras de pintura e cerâmica. “Estive muito mal, com uma grande depressão, isto é a minha terapia”, começa por contar. “Há muita gente que não tem noção de quanto dinheiro isto poupa ao Serviço Nacional de Saúde”, diz Henrique Silva, outro aluno, que fala a sério a rir-se. Isabel Gonçalves, na UITI há oito ou dez anos, concorda. “Aqui convivo com gente que ensina, que transmite conhecimento, são o meu apoio. Escuso de andar a tomar tantos comprimidos para a depressão.”

É este apoio que pode estar em risco. “A câmara diz que quer o envelhecimento activo, mas depois tira-nos isto”, desabafa Henrique Silva. Ele foi uma das quase trezentas pessoas que, em Janeiro, foram a uma reunião pública da autarquia pedir soluções. Ouviram Fernando Medina dizer que a câmara vai “realizar obras de requalificação” do edifício e que “após as obras a universidade pode regressar, se assim o entender”. O presidente da câmara demonstrou “total empenho em encontrar uma solução transitória ou definitiva” para a instalação da UITI e disse que ele próprio marcaria uma reunião com a direcção da escola.

Nada aconteceu entretanto, queixam-se os responsáveis da UITI. “Todos os dias temos ligado para lá”, conta Stela Tavares, da direcção. “Antes da semana da Páscoa pedimos à câmara para nos dar uma lista de sítios alternativos, para irmos vê-los. Quando nós pedimos mais informação, ninguém nos diz nada”, afirma.

A autarquia, em resposta a várias perguntas do PÚBLICO, apresenta uma versão diametralmente oposta. “A câmara tem procurado, de há muito, encontrar uma solução que permita o funcionamento da UITI em instalações em segurança. Infelizmente ainda não foi possível encontrar solução, pois a UITI não aceitou qualquer das soluções encontradas. Apesar disto, a câmara continuará a trabalhar para tentar encontrar uma solução.”

Há oito meses à espera de obras "urgentes"

Em Setembro de 2016, um técnico municipal foi avaliar o estado do edifício. Concluiu que os espaços do primeiro piso, ocupado pela universidade, estavam “em bom estado de conservação, correctamente mantidos, sem sinais de problemas graves”. O busílis estava no segundo andar, durante muito tempo ocupado pelos Bombeiros Voluntários de Lisboa, cujos espaços estavam “completamente pejados de lixo” e apresentavam “problemas estruturais graves” no chão e tectos – que, alertava-se no relatório, podiam colapsar a qualquer momento.

Além de uma requalificação geral do prédio, o técnico especificou quatro “intervenções urgentes” que deveriam “ser iniciadas o mais rapidamente possível”, logo em Outubro. Elas nunca foram feitas. E os trabalhos mais profundos só podem começar quando a UITI sair. Mas a UITI só sai quando encontrar uma alternativa. “Esta falta de cooperação da câmara…”, começa a dizer Stela Tavares. Mas é interrompida por uma aluna, Isabel, que atira: “Falta de humanidade, diria eu!” Ao seu redor, colegas e professores concordam.

As histórias de vida atropelam-se. “Perdi um filho há nove anos. Se não fosse isto, eu andava a bater com a cabeça nas paredes”, relata Maria Júlia Sécio, na UITI desde 2006. “Dizem-nos que há muitas outras universidades. Pois há, mas nenhuma como esta”, sublinha Isabel. Para Fernando Chapouto, está na hora de ser mais assertivo. “Faz hoje 50 anos que eu cheguei a casa de uma guerra. Eu vou para a frente, não me importo, que isto já não vai lá com palavras brandas.”

Já Maria Luísa Trindade, de 78 anos, não contém a emoção. Reformou-se aos 65 e só veio para a UITI aos 67. “Durante aqueles dois anos era acordar, olhar para o tecto e pensar ‘o que é que eu vou fazer hoje?’. Se isto fechar… já está aqui a aparecer um nó”, diz, com a mão na garganta. Stela Tavares suspira: “Ainda tenho esperança na abertura de olhos da câmara.” Maria Luísa tem uma conclusão dramática: “Acabando isto, acaba a minha vida.”

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