Paris em Lisboa, loja histórica do Chiado, “tem os dias contados”
Proprietário está a pressionar loja centenária para sair do edifício na Rua Garrett. Câmara pede ao Parlamento que tome medidas urgentes sobre a ameaça que pende sobre as lojas com história.
A Paris em Lisboa, loja de confecções aberta na Rua Garrett desde 1888, “tem os dias contados”. A afirmação foi feita esta quarta-feira por Ana Gomes, filha do dono do espaço comercial, na reunião pública da Câmara Municipal de Lisboa. “Isto é dito sem vergonha”, acrescentou, saudando a “ajuda completamente inesperada” do vice-presidente da autarquia, Duarte Cordeiro, que na tarde de quarta-feira se reuniu com os responsáveis da loja para a tentar salvar do encerramento.
Como depois Ana Gomes explicou aos jornalistas, a Paris em Lisboa está a ser pressionada pelo dono do edifício para abandonar o espaço, em pleno Chiado. "[E, se as negociações com o senhorio não chegarem a bom porto,] no final de 2017 teremos de fechar”, disse a também representante da Associação de Valorização do Chiado.
Na resposta, Duarte Cordeiro disse que um dos seus objectivos agora é “classificar o património da Paris em Lisboa” e iniciar um “processo de sensibilização e negociação com o proprietário” do edifício para que a loja se mantenha.
A situação, muito semelhante à que ameaçou a Tabacaria Martins no início deste mês, está longe de ser única. Em Fevereiro de 2015, quando a câmara apresentou o programa Lojas com História, “foram identificadas 300 lojas com características para serem salvas”, disse Carla Salsinha, presidente da União de Associações de Comércio e Serviços (UACS). “Hoje, seguramente, não haverá 190 lojas para serem salvas”, alertou.
O vice-presidente, que é também o vereador responsável pelo programa Lojas com História, garantiu que “a câmara está do lado das lojas e do lado da UACS”, mas aproveitou para mais uma vez dizer que “é muito importante” que a Assembleia da República tome medidas sobre este assunto rapidamente. “Há um problema chamado 'lei do arrendamento'”, aprovada em 2012 pelo anterior Governo, que “não protegeu um conjunto de situações” que afectam as lojas históricas e criou “um conjunto de subterfúgios” usados pelos senhorios para recorrerem a despejos.
“A união vestiu a camisola, calçou as botas, e fui acusada de que estava ao lado da câmara e não dos empresários”, disse Carla Salsinha, que agora “pondera” a continuidade da UACS no programa Lojas com História.
De seguida, Fernando Medina afirmou que este programa “é essencial para o desenvolvimento da cidade”, até mesmo para o futuro do turismo de Lisboa. “Quando não tivermos autenticidade, não temos valor turístico”, rematou o autarca.
A Paris em Lisboa abriu "com grande pompa" em 1888, conta a loja na sua página na Internet. "Fazendas, sedas e bordados chegam à clientela chique de Lisboa, vindas da capital da moda, Paris", continua. Em 1902, a rainha D. Amélia considera-a um dos "fornecedores de Sua Real Casa". A loja vai-se adaptando aos tempos, diversificando a sua oferta, espalhada por três pisos. Hoje vende sobretudo roupa de casa.
Universidade sénior não vai ser despejada
Mas nem só de despejos de lojas se falou nesta reunião pública da câmara. Havia outra ameaça no ar. A sala de reuniões, uma sala anexa e a sala do arquivo do município foram pequenas para tantos professores e alunos da Universidade Internacional da Terceira Idade (UITI) que foram pedir ao executivo para continuar a ter aulas num prédio do Chiado.
O edifício fica no Largo Barão de Quintela e é propriedade da câmara, que cedeu o primeiro andar à UITI em 1978. Na reunião, o reitor da universidade acusou o município de querer expulsar a instituição do local e gerou-se um ambiente de tensão entre Fernando Medina, os vereadores da oposição e o público, que se manifestou ruidosamente a cada intervenção.
“Fomos verbalmente informados que tinha sido politicamente decidido pelo senhor presidente que a UITI não só não ia ter mais espaço, como teria de abandonar as actuais instalações”, disse José Varella de Miranda, reitor da universidade sénior, que tem cerca de 800 alunos. Segundo ele, a justificação apresentada por António Furtado, director municipal do património, foi a de que “o valor por metro quadrado do edifício era demasiado alto para se poder manter a actual ocupação”.
Perante isto, Medina pediu a António Furtado que esclarecesse a situação, mas argumentou logo que “o prédio tem problemas estruturais” e precisa de obras. Sublinhou ainda que tem “total empenho em encontrar uma solução transitória ou definitiva” para a universidade.
“O edifício padece de graves problemas estruturais”, confirmou depois Furtado, que explicou que esteve presente numa reunião com a direcção da UITI para “discutir alternativas” de instalação, enquanto as obras decorriam. As soluções “não foram aceites”, explicou o responsável, que desmentiu a interpretação que José Varella de Miranda fez das suas palavras no encontro.
Para acabar com a questão, Fernando Medina anunciou que vai tornar públicos os relatórios técnicos que justificam as obras e garantiu que “a câmara não tem nenhuma intenção para o edifício”, afastando assim as suspeitas de que o município se preparava para o alienar. O autarca assegurou que “não há indicação de despejo” e repetiu que a universidade poderá voltar ao prédio depois de concluídas as obras, se assim o desejar.