Vão ser precisos dois meses para recuperar da greve dos médicos e da tolerância de ponto
Os dois sindicatos médicos unem-se pela terceira vez numa greve conjunta. Esperam conseguir trazer o ministro da Saúde para a mesa das negociações depois dos dois dias de protesto, tal como aconteceu em 2012 com Paulo Macedo.
Dois dias de greve, um de tolerância de ponto e mais o fim-de-semana. A partir desta quarta-feira e durante cinco dias os hospitais e centros de saúde vão estar a meio-gás e praticamente só estão assegurados os chamados serviços mínimos, como as urgências, tratamentos em oncologia e transplantes. Na véspera da visita do Papa, a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) concretizam pela terceira vez na história dois dias de greve nacional em conjunto. Os hospitais admitem que sejam necessários dois meses para conseguir recuperar as consultas e cirurgias que vão ficar por fazer.
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, em declarações ao PÚBLICO, adianta que muitas unidades agiram de forma preventiva e optaram por reagendar os actos médicos marcados para sexta-feira, dia em que o Governo decidiu dar tolerância de ponto por causa da visita do Papa a Portugal. Alexandre Lourenço diz, ainda, que muitos médicos “por compreenderem o impacto de uma greve nos doentes” estão a antecipar ou a remarcar as consultas previstas para os dois dias da greve, de modo a poupar os doentes a deslocações desnecessárias.
A tolerância foi anunciada já depois de estar convocada a greve desta quarta e quinta-feira. Entretanto também dois sindicatos de enfermeiros menos representativos (Sindicato dos Enfermeiros e Sindicato Independente Profissionais de Enfermagem) marcaram uma greve de zelo por tempo indeterminado a começar igualmente nesta quarta-feira.
No Centro Hospitalar de São João, no Porto, o presidente do conselho de administração explica que para minimizar o impacto de tantos dias atípicos seguidos, a opção passou por reagendar as cirurgias e consultas previstas para sexta-feira (tolerância de ponto) e reforçar os serviços de internamento nesse mesmo dia. A legislação impede que se questione os trabalhadores sobre se vão fazer greve, pelo que não é possível antecipar o impacto e reprogramar os actos médicos. António Oliveira e Silva estima, ainda assim, que “sejam precisos pelo menos dois a três meses para conseguir recuperar do impacto do que fica por fazer nestes dias”.
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra também optou por reagendar todas as consultas e cirurgias que deviam acontecer no dia da tolerância de ponto: cerca de 150 operações programadas e 2650 consultas. “As consultas e as cirurgias foram reagendadas para, em média, um mês depois”, explica, por escrito, o conselho de administração.
Também o presidente do conselho de administração do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) assume que, regra geral, as unidades “costumam demorar dois meses” a conseguir remarcar todos os actos que ficam por realizar nas greves e tolerâncias de ponto. Francisco Velez Roxo lembra que os hospitais estão todos sobrecarregados, mostrando-se especialmente preocupado com os exames complementares que deixará por fazer.
Carta a António Costa
O PÚBLICO questionou o Ministério da Saúde, que remeteu todas as declarações sobre a greve para um comunicado da semana passada em que enunciava algumas dos pontos em que já houve acordo com os sindicatos, nomeadamente na reposição de parte do pagamento das horas extraordinárias que os médicos fazem e que tinham sido cortadas em 50% por acordo com a troika.
O presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (hospitais de Santa Maria e Pulido Valente) delegou nos directores de cada serviço a decisão sobre remarcar ou não os actos agendados para a tolerância de ponto, mas reconhece que poderá demorar a recuperar o que ficar por fazer entre a greve e a tolerância de ponto. Carlos Neves Martins admite alguma preocupação com os próximos dias, lembrando que no fim-de-semana também há um jogo de futebol que pode aumentar a procura dos servidos de saúde.
Do lado dos sindicatos, tanto a Fnam como o SIM esperam uma “adesão expressiva”, mas evitam, para já, falar numa adesão “histórica”. O secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha, lembra que só há uma semana começaram “mais a sério a mobilizar os médicos” para tentarem “chegar a acordo com o Ministério da Saúde até à última”. Há três temas que estão por negociar e que, segundo os sindicatos, justificam a greve, explica o presidente da Fnam, Mário Jorge Neves: os médicos querem reduzir de 200 para 150 horas anuais o número de horas extraordinárias que são obrigados a fazer, encurtar de 18 horas para 12 horas o tempo semanal de trabalho que fazem nas urgências e reduzir a lista de utentes por médico de família.
Na terça-feira os sindicatos fizeram um derradeiro apelo, entregando uma carta ao primeiro-ministro, António Costa. E dizem que nesta sexta-feira, logo depois da greve, estão disponíveis para negociar. Aliás, com este protesto, Roque da Cunha espera trazer o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, para todas as reuniões de negociação que vierem a acontecer. “Com o ministro Paulo Macedo também foi só depois da greve que se sentou à mesa connosco”, recorda o sindicalista.
Adesão “histórica” em 2012 e em 2014
Na greve nacional de 2012, quando a Fnam e o SIM estiveram unidos, chegaram a falar em valores “históricos” de paralisação entre os 90 e os 95%. Antes disso, é preciso recuar até 1980 para encontrar uma greve conjunta, com a então ministra Leonor Beleza. Já em 2014, quando a Fnam avançou sozinha com a greve, a adesão foi um pouco inferior, mas mesmo assim próxima dos 90%.
Em 2012 os sindicatos elegiam os contratos de médicos tarefeiros, as carreiras médicas, as baixas tabelas salariais e a degradação da qualidade do Serviço Nacional de Saúde como os principais motivos para fazerem uma greve. Em 2014, a Fnam dava mais ênfase a questões legislativas, como “lei da rolha” que limitava, por exemplo, as declarações negativas que os médicos poderiam prestar à comunicação social.
O protesto que começa nesta quarta-feira conta com o apoio da Ordem dos Médicos que, numa nota, reconhece que a “insatisfação crescente” justifica a greve, ainda que apele ao consenso. A CGTP fez também um comunicado em “manifesta a sua solidariedade” com o protesto e em que diz que “esta é uma greve que só tem lugar porque o Ministério da Saúde não concretizou compromissos anteriormente assumidos”. Por seu lado, o Movimento dos Utentes dos Serviços de Saúde (MUSS) diz estar solidário com a greve dos médicos, por acreditar que as suas reivindicações também os beneficiam.