Greve dos médicos com 90% de adesão contra “incompetência e ligeireza” do Governo
Primeiro balanço dos sindicatos falava em 80%, mas de tarde actualizaram o valor para 90%.
O primeiro dos dois dias de greve geral dos médicos regista uma adesão de cerca de 90% em todo o país. O primeiro balanço dos sindicatos que representam esta classe profissional falava em 80%, mas de tarde o valor foi actualizado. Para o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, esta adesão “massiva” demonstra o “descontentamento” dos clínicos perante a “incompetência e ligeireza” com que o Ministério da Saúde tem conduzido as negociações. Já o Ministério da Saúde, questionado pelo PÚBLICO, disse que não iria contrapor números da greve.
Roque da Cunha falava aos jornalistas num primeiro balanço sobre este protesto de dois dias - que os administradores hospitalares admitem que demore dois meses a recuperar, já que na sexta-feira também há tolerância de ponto. Os números nacionais foram apresentados no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no corredor de acesso às consultas externas. Perto da conferência de imprensa, mas sem avançar números, estava o presidente do Conselho de Administração deste hospital, Carlos Neves Martins.
Para o representante do SIM, mais do que “exibir grandes taxas de participação”, o objectivo dos médicos é darem “um sinal de união da classe”. Na greve de 2012, com o então ministro Paulo Macedo e convocada pelo SIM e pela Federação Nacional dos Médico (Fnam), a adesão ficou próxima dos 95%. Em 2014 a Fnam avançou sozinha e mesmo assim a adesão foi superior a 90%.
Questionado sobre se os 80% mostram menos descontentamento, Roque da Cunha nega essa ideia e apresenta duas razões distintas para este valor que, mesmo assim, considera “forte” e “massivo”. “Temos agora mais médicos tarefeiros contratados por empresas de prestação de serviços e que não fazem greve e tentámos as negociações até à última, pelo que na prática tivemos uma semana para imprimir cartazes e divulgar a greve”, diz.
O médico dirige as principais palavras de apelo ao consenso ao primeiro-ministro, António Costa, pedindo-lhe que “ponha o dr. Adalberto [Campos Fernandes, ministro da Saúde] a negociar seriamente com os médicos e a estar nas reuniões negociais”. Em 2012, só depois da greve é que o ministro Paulo Macedo passou a estar em todas as reuniões com os sindicatos e tanto o SIM como a Fnam esperam conseguir o mesmo com esta greve de dois dias.
Sobre o momento escolhido para o protesto, em véspera da visita do Papa, Roque da Cunha lembrou que “as negociações já duram há 550 dias”, acusando o Ministério da Saúde de “protelar a situação” e de gerir os encontros com “alguma incompetência e ligeireza”. O secretário-geral do SIM fala em “belas palavras e música celestial” mas “pouca acção por parte da tutela”.
As revindicações dos sindicatos são várias, mas há três principais: querem reduzir de 200 para 150 horas anuais o tempo de trabalho extraordinário a que os médicos estão obrigados e baixar de 18 horas semanais para 12 as horas que têm de dedicar às urgências. Querem também reduzir a lista de utentes por médico de família de 1900 para 1500 doentes. Muitos destes números tinham sido aumentados por imposição do acordo com a troika, mas em 2015 era suposto ter havido uma revisão que nunca chegou a acontecer. Nos três temas chegou a haver uma proposta da tutela para ser aplicada num período de três anos e os sindicatos exigiram que fosse durante a legislatura. A nova proposta não ficou com nenhuma das versões e os sindicatos acusam o ministério de “dar o dito por não dito” por colocar no papel que está disponível para negociar mas sem dizer prazos.
Já o Ministério da Saúde repete que se recusa a negociar sobre pressão e assegura que os médicos já conseguiram vários acordos, nomeadamente em termos de reposição do pagamento das horas extraordinárias a 100% até ao final do ano e a 75% desde Abril. Sobre este ponto os sindicatos queriam ver o pagamento a 100% a ser aplicado com carácter retroactivo desde Janeiro.
Doentes divididos
Do lado dos utentes que passavam em Santa Maria à hora da conferência de imprensa, as opiniões dividiam-se. Gil Nogueira, de 56 anos, veio do Seixal para uma consulta de gastroenterologia que não aconteceu. “Vão demorar pelo menos três meses a remarcar. Não é que não compreenda a greve, mas a verdade é que os doentes é que sofrem”.
Já Ana Rosa de Duarte, de 36 anos, foi avisada pelo seu otorrino de que manteria a consulta. Sobre a greve, comenta que “este talvez não fosse ainda o momento para haver uma greve”, mas ao mesmo tempo questiona: “se há dinheiro para os bancos porque não há para os médicos?” Isabel Matias, de 56 anos, também tinha consulta de otorrino mas o seu médico fez greve e só conseguiu reagendar para Agosto. “Custa ter vindo em vão e esperar tanto, mas compreendo que os médicos precisam de mais condições.”
Também deputados do PCP e do BE estiveram em Santa Maria, ao lado dos sindicatos, defendendo que a greve é um passo para melhorar o SNS e frisando que as conquistas dos clínicos são também dos doentes.
No resto do país, o impacto variou, com alguns centros de saúde quase fechados e outros a funcionar normalmente. Por exemplo, no centro de saúde de Sete Rios, diz a Lusa, quase todos os utentes tiveram consulta, enquanto no centro de saúde do Carandá, em Braga, a adesão dos médicos à greve rondava atingiu praticamente os 95%. Quanto a hospitais, nas consultas externas no São João, no Porto, e no S. José, em Lisboa, houve quem tivesse consulta e quem esperasse para afinal ficar a saber que o médico tinha feito greve.
No sul, o impacto da greve foi também pouco significativo Hospital de Portimão, no Algarve, onde as consultas externas decorreram com relativa normalidade, embora algumas tenham sido canceladas ou adiadas, refere a Lusa. Pelo contrário, no Hospital do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém, quase todas as consultas foram remarcadas.