Greve dos médicos: sindicatos acusam Governo de "dar o dito por não dito"
Representante da ACSS já admitiu que não consegue resolver numa semana três das principais reivindicações: tempo de trabalho extraordinário a que os médicos estão obrigados, horas dedicadas ao serviço de urgência e número de doentes por médico de família.
A greve dos médicos está marcada para os dias 10 e 11 de Maio e nesta quinta-feira acontece aquela que será, provavelmente, a última reunião antes do protesto, entre o Ministério da Saúde e os sindicatos que representam estes profissionais. Nem a Federação Nacional dos Médicos (Fnam), nem o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) acreditam que as negociações mudem de curso o suficiente para cancelarem a paralisação que acontece na véspera da visita do Papa, até porque entendem que a tutela tem recuado em temas que já estiveram em cima da mesa.
O próprio Ministério da Saúde já disse que não consegue resolver a tempo da greve três temas que são fundamentais para os sindicatos: reduzir o tempo de trabalho extraordinário a que os médicos estão obrigados de 200 horas anuais para 150 horas; cortar o número de horas que clínicos têm de trabalhar nas urgências de 18 para 12 horas; e reduzir o número de utentes por médico de família. Em entrevista ao PÚBLICO, nesta quarta-feira, Pedro Alexandre, o representante da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) nas negociações com a Fnam e o SIM, assegurou que os encontros têm permitido uma “convergência” de posições, mas reconheceu que há temas “complexos” que não vão estar resolvidos em apenas uma semana.
No entanto, os sindicatos têm uma visão diferente dos avanços, com o presidente da Fnam, Mário Jorge Neves, a acusar a tutela de “ter uma postura de quem não quer negociar”. “Esta conversa arrasta-se há meses e o ministério chegou a propor há duas semanas um plano a três anos para reduzir as horas extraordinárias que os médicos têm de fazer, as horas de trabalho nas urgências e o número de utentes por médico de família”, explicou o sindicalista.
A Fnam e o SIM recusaram a proposta de três anos, exigindo que a concretização da redução acontecesse até ao final da legislatura – para acautelarem mudanças que decorram do resultado das eleições. “Há duas semanas fizeram a proposta de um plano a três anos, mas na semana passada recuaram e já não podiam calendarizar nada nem assumir prazos. Apenas podiam inscrever num compromisso que estavam dispostos a negociar estes temas”, acrescenta o secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha.
Tanto Mário Jorge Neves como Roque da Cunha lamentam que a tutela diga que não consegue solucionar estas questões a tempo da greve, lembrando o responsável da Fnam que “as negociações vêm a ser arrastadas quase há ano e meio”, acusando os negociadores de “darem o dito por não dito de uma reunião para outra”.
O sindicalista do SIM faz também outra leitura: “Este impasse demonstra que o ministro da Saúde não tem qualquer influência junto do ministro das Finanças e que não consegue fazer ver que estas reduções iriam poupar dinheiro”. Como? Roque da Cunha diz que com as horas a menos nas urgências os médicos poderiam fazer mais consultas e cirurgias e reduzir listas de espera por essa via.
Serviços mínimos
A greve foi anunciada no dia 11 de Abril, altura em que a Fnam e o SIM invocavam também a não reposição do pagamento das horas extraordinárias aos médicos como um dos principais motivos para o protesto. Este ponto foi entretanto clarificado, com os profissionais de saúde a verem garantido que as horas serão pagas a 100% até ao final do ano e que, a partir de Abril, receberão 75% do valor que tinha sido cortado para 50% em 2011, na sequência do memorando de entendimento com a troika.
A greve conta com o apoio do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que disse aquando da marcação da paralisação que “não há dúvida de que existem motivos que legitimam que os médicos possam fazer greve”, lembrando questões como a falta de tempo na relação médico-doente, as longas listas de utentes por médico de família, as carreiras médicas e emigração de jovens médicos.
De acordo com a lei, durante os dois dias de greve serão assegurados os chamados serviços mínimos, onde se incluem as urgências e tratamentos como quimioterapia e radioterapia. Consultas e cirurgias programadas podem ser adiadas.