A Área Metropolitana do Porto é um gigante com pés de barro
Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente da AMP e autarca da Feira, Emídio Sousa, assume que teme que o sucesso do turismo deixe a região conformada e menos atenta às dificuldades de outros sectores.
Presidente do conselho metropolitano por nove meses, após a saída de Hermínio Loureiro da Câmara de Oliveira de Azeméis, o autarca de Santa Maria da Feira quer mais competências para a AMP, mas não acredita no modelo de super-autarquia proposto pelo actual Governo para as áreas metropolitanas.
Concorda com as mudanças propostas pelo PS para as Comissões de Coordenação Regional, cujos presidentes passariam a ser escolhidos por um colégio eleitoral alargado, de cada região, embora mantendo a sua dependência do Governo?
De toda a discussão que está em cima da mesa em matéria de descentralização, esta é das propostas que faz menos sentido. A CCDR é um órgão desconcentrado do Estado, e não faz sentido que eu vá eleger uma pessoa que responde ao ministro. Se eu o elejo, tem de responder a mim. O presidente da CCDR é um funcionário público, e a sua relevância foi diminuindo ao longo do tempo. Já ali tivemos vozes fortíssimas em defesa da região, hoje o lugar é ocupado através de um processo de concurso público. E também acho que a grande reforma a fazer neste momento é a descentralização, para os municípios. Se metemos demasiadas coisas na discussão, quando formos a ver não acontece nada, ou acontece tudo mal. E já se está a falar de novo na regionalização. Eu tenho receio de que misturarmos tudo isto é para que nada se faça.
Mas, e no caso da área metropolitana? Dá para aguentar, por mais quatro anos, como admite agora o Governo, o actual modelo, em que um conselho de 17 autarcas e uma comissão executiva gerem um orçamento muito limitado, de dois milhões de euros?
Parece-me que não há alternativa que não seja esperar. Eu costumo dizer que a Área Metropolitana do Porto é um gigante com pés de barro. Temos um imenso potencial de intervenção política mas temos um orçamento de 1,8 milhões de euros, praticamente para pagar salários dos funcionários e gerir alguns serviços, como alguns fundos comunitários e, agora, a autoridade metropolitana de transportes. Há claramente, nas propostas em cima de mesa, transferências de competências que, se vierem a concretizar-se, significarão uma revolução. Mas eu também concordo que não se faça isto já. Porque a paixão política e a proximidade do acto eleitoral poderiam inquinar uma discussão séria e descomprometida. Essa é a visão do primeiro-ministro e eu concordo com ela
Mas tirando isso, do ponto de vista substancial, concorda com esta última versão da proposta do Governo?
Em termos das competências a transferir para a AMP, eu penso que há ali um ou outro aspecto a afinar. Sendo eu um municipalista, veria com bons olhos os órgãos metropolitanos emanarem dos municípios, com um órgão de gestão política, um espaço de consensualização de objectivos que um órgão executivo, uma direcção, levasse por diante.
Isso é muito diferente do que está a ser proposto.
Sim, o que está na proposta é uma eleição directa (de uma assembleia metropolitana, da qual emanaria o presidente e a direcção da Junta metropolitana, remetendo os autarcas para um órgão de consulta). O que também é aceitável, razoável. Mas como nós temos uma tradição municipalista muito enraizada, eu prefiro investir nela. É verdade que há problemas supra-municipais, mas até à data nós temos provado que somos capazes de nos entender. Veja-se o caso da STCP, da reforma do sector das Águas, dos sistemas multi-municipais de recolha e tratamento de lixos.
E vai ser fácil aos presidentes de câmara admitir aqui alguém com outra legitimidade a interferir em áreas que hoje são das autarquias?
Obviamente que, se houver uma eleição, e a nossa participação e capacidade de influência, enquanto presidentes de câmara, for reduzida a zero, eu penso que a maioria se irá alhear da AMP.
Mas quanto refere o alheamento, eu noto por exemplo que os presidentes de Porto e Gaia não foram presenças muito assíduas nas reuniões do conselho metropolitano. No limite, enviam os seus vices.
O Porto tem-se feito representar e penso que os meus colegas deveriam fazer o esforço para participar. Hoje, como disse, a AMP é um gigante com pés de barro. Mas tem um papel muito importante a desempenhar do ponto de vista político. O Porto não pode ser um território acomodado, e na área metropolitana precisamos de afirmar este território. Neste momento, estamos um bocadinho anestesiados. O turismo, que tem tido, e ainda bem, um enorme êxito no Norte, tem-nos criado a ilusão de que tudo está bem. E eu quero ver o Porto como um território inconformado. Detesto ver o Porto conformista. E no nosso território, apesar do sucesso do turismo, não podemos ignorar a nossa matriz de trabalho. E aqui refiro-me à região, com a sua cintura industrial, no têxtil, no calçado, na metalo-mecânica, mas também ao Porto-cidade, que foi sempre uma cidade centralizadora de serviços, como os grandes hospitais ou a banca.
A banca já nem é do Porto, nem portuguesa…
E eu acho que isso mereceria uma análise profunda. Se recuarmos 40 ou 50 anos, havia uma banca fortíssima no Porto, muito ligada à indústria, com a qual por vezes até se confundia. Depois da nacionalização, centralizou-se tudo em Lisboa e a banca de apoio à indústria desapareceu para dar lugar à da especulação financeira, e às famosas imparidades que mais não são do que empréstimos concedidos sem pés nem cabeça. Foram milhares de milhões de euros que desapareceram. E o movimento de saída do Porto verificou-se também nos grandes escritórios de advogados, que foram para Lisboa e deixaram por cá uns gabinetes com um ou dois estagiários, e até nas consultoras. Todos reportam a Lisboa. Este esvaziamento é perigoso.
Mas não se vê uma estratégia metropolitana para a economia.
A melhor estratégia metropolitana é manter esta matriz, dar liberdade aos cidadãos e incutir-lhes esta ambição. O Estado quando se mete demasiado nisto só prejudica, só complica.
Sim, mas há instrumentos municipais, estatais, para fazer valer uma estratégia. Há por exemplo os fundos comunitários, cujos critérios de distribuição a AMP pode tentar influenciar, numa reprogramação, para que os recursos sejam locados para áreas prioritárias.
Essa é outra questão. Portugal tem fundos comunitários para as regiões mais desfavorecidas, e uma delas é o Norte. E o que é que acontece? Os fundos comunitários estão a ser prejudiciais para nós, como se viu com as escolas geridas pelo Ministério da Educação. O Estado está a pedir às câmaras que assumam parte da componente nacional das obras de requalificação que custam alguns milhões de euros, como se viu com a Alexandre Herculano, no Porto. Eu também tenho um caso na Feira e tive de aceitar. Ninguém me perdoaria se eu deixasse perder um investimento de dois ou três milhões numa escola por não querer dispor de 300 mil euros.
Já o Porto, na escola Alexandre Herculano, fez finca-pé.
E fez muito bem. Eu no fundo acho que Rui Moreira tem razão na sua posição. É uma competência do Estado Central fazer e financiar aquelas obras. E o Governo, ao colocar-nos a espada ao pescoço, veio tirar a cada um de nós duzentos ou trezentos mil, que seriam um milhão ou mais no caso do Porto. Para quê? Então se somos uma região desfavorecida, se por esse motivo tivemos direito a fundos comunitários…ainda nos vão tirar do nosso orçamento!? E depois que é feito desse dinheiro do Orçamento de Estado, que é dos nossos impostos, e que não vem para cá? É aplicado em investimentos em Lisboa, que não é região de convergência, e que já tem um PIB por habitante superior. Continuamos com sinais preocupantes de centralismo. Veja-se agora esta questão da Agência Europeia de Medicamentos, que sairá de Londres com o Brexit. Portugal está a fazer lobby para a trazer para Lisboa. E por que é que não vem para o Porto. É aqui que estão algumas das principais indústrias do sector, e quatro das principais universidades.
A região tem tido outras queixas em relação à TAP e, mais recentemente a ANA.
Sim, quanto à TAP considero que foi uma maldade retirar os voos intercontinentais do aeroporto do Porto. Afecta as deslocações de negócios numa área fortemente exportadora e as ligações a destinos de emigração, a comunidades que gostam do seu país, que estão disponíveis para vir cá muitas vezes e até para investirem cá. E não os podemos ignorar.
Mas o mercado está atento a isto e vai tomando esse espaço deixado livre pela TAP.
Sim, mas esta é uma empresa com capitais públicos, e que nos iludiu com a história de uma ponte aérea que por vezes obriga pessoas à espera horas, em Lisboa, por um voo de ligação. Nos negócios, viagens de trabalho que se resolviam por vezes num dia passam a implicar uma estadia. Isso tem implicações na economia. E se o mercado está atento, isso só revela a má vontade da TAP, ou então outros interesses por detrás desta opção de entupir Lisboa.
E já sabem quando é que a ANA vos vai mostrar os planos de expansão do aeroporto do Porto?
Valeu a pena eu ter sido a voz da reclamação. Já temos quatro datas para essa reunião, que decorrerá ainda este mês. Eu gostava muito que o aeroporto Francisco Sá Carneiro pudesse competir com o de Lisboa, porque nós passamos a subjugados ao interesse de uma única entidade que claramente centra a sua atenção em Lisboa.
É preciso investir na ferrovia a sul do Douro
É presidente da AMP há poucos meses, após a saída de Hermínio Loureiro. Como tem sido a sucessão, com tão pouco tempo de mandato pela frente?
O meu mandato é curto, começou em Janeiro e termina em Outubro, mas durante estes nove meses tenho de desempenhar o melhor possível esta missão, respondendo ao voto de confiança dos autarcas, que me elegeram com apenas uma abstenção, o que me dá uma responsabilidade acrescida. A presidência da AMP obriga-me a um papel mais activo, interventivo, e até a assumir algumas reivindicações da região e sempre com uma visão que eu até acho que nem deve ser apenas a dos 17 municípios integrantes da AMP, mas de todo o Norte. Há aqui um contínuo urbano que vai de Aveiro a Braga, ou até de Leiria a Viana, que tem o Porto como o centro.
A Área Metropolitana do Porto expandiu-se, ao longo do tempo, para abarcar territórios com muitas disparidades. Isso não dificulta o trabalho da AMP?
Eu julgo que essa diversidade é muito positiva. Há pessoas que questionam por que é que Arouca ou Vale de Cambra pertencem à AMP. Mas o Porto é a nossa marca, a nossa região. Há quem defenda que a área metropolitana deveria ter três ou quatro municípios, mas esta é a realidade que temos, 17 municípios, com muitos problemas para resolver. E um deles, com impacto no desenvolvimento da região, é o da mobilidade e dos transportes. É por isso que defendi, e foi aprovado pelo conselho metropolitano, que temos de ter um plano de mobilidade.
Esse até é um campo onde existe algo, o cartão intermodal Andante, que é uma espécie de passaporte metropolitano, ao permitir, cada vez mais, viajar em quase toda a AMP. Isso ajuda a criar uma sensação de pertença a um território…
Exactamente, e por isso é que estamos a tentar alargá-lo até Oliveira de Azeméis. Mas repare, o país apostou nos grandes eixos rodoviários, o que levou toda a gente - e não o estranhemos - a querer ir para o trabalho de carro. Em contrapartida, por exemplo, temos a Linha do Norte, a grande via ferroviária Porto-Lisboa, estrangulada, e não temos um canal suburbano para sul. E faz todo o sentido. Gaia tem 300 mil habitantes, Santa Maria da Feira, 140 mil, Oliveira de Azeméis uns 80 mil. Estamos a falar de um universo de mais de meio milhão de pessoas.
E o Vouguinha?
Faz todo o sentido que a Linha do Vouga seja reabilitada. Liga os concelhos a sul a Espinho - onde se fez a enormidade de não prever uma ligação com a linha do Norte, quando esta foi enterrada, apesar de as estações estarem a umas centenas de metros uma da outra. Os comboios andam a dez à hora numa linha completamente abandonada que atravessa uma zona densamente urbana. Reabilitá-la de forma a permitir fazer o percurso de Oliveira de Azeméis ao Porto (centro), em uma hora, seria uma forma de tirar muito tráfego às nossas estradas, onde se fez outro disparate, nas circulares. Construímos a CREP (circular externa), para tirar da VCI o trânsito de atravessamento, que não se dirige ao Porto ou a Gaia, e depois colocamos portagens na CREP, mantendo a VCI gratuita. Isto não faz sentido. Temos de avaliar se não será melhor, para atingir o efeito pretendido, diminuir a portagem ou acabar mesmo com ela. Eu não tenho dúvidas nenhumas de que os custos ambientais, e de tempo perdido, justificariam que se acabasse com a portagem na CREP. Eu sei que, quando venho ao Porto, tanto posso demorar 15 minutos ou uma hora. E esta incerteza é má.