O pessimismo irritante
Amanhã à noite, quando Macron vencer, faça um favor a si próprio — anime-se. E não se sinta ridículo por causa disso.
Muito poucos dos que em Portugal assistiram ao longo debate entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen se atreveram a dizer o óbvio: Macron esteve óptimo e Le Pen foi um desastre. Um desastre tão grande que afundou quaisquer hipóteses de poder surpreender nas eleições de amanhã. Le Pen mostrou-se absolutamente impreparada em matérias económicas, pateticamente nacionalista em matérias de emigração e ridiculamente demagoga em todas as matérias. Macron, pelo contrário, esteve impecável. Sólido na economia, humanista na emigração, agressivo a desmascarar a demagogia da sua adversária e realista do princípio ao fim. Cereja em cima do bolo: ele apareceu simultaneamente presidenciável e professoral em relação a Le Pen, expondo diante de todos os franceses a ideologia xenófoba, populista, proteccionista, iliberal e indigna dos melhores valores de França que a líder da Frente Nacional quer levar para o Eliseu.
Tudo isto me pareceu tão óbvio que fiquei desconcertado com as reacções tépidas que li nos jornais acerca do debate. Já aqui abordei o tema tangencialmente há 15 dias, mas vale a pena regressar a ele: como se já não nos bastasse a adesão de tanta gente a ideologias extremistas por essa Europa fora, as elites supostamente lúcidas e moderadas parecem viver sufocadas sob uma atmosfera de medo, que não lhes permite reconhecer as boas notícias mesmo quando elas esbarram com a sua cara, e as impede sequer de esboçar um sorriso mesmo quando um político decente esmaga uma política indecente.
Esta incapacidade de reconhecer as vitórias é um imenso trunfo para os derrotados. Assim se instala um clima de pessimismo militante e irritante, que será parcialmente explicado pelo factor Trump — o impensável aconteceu nos Estados Unidos, logo, as dez pragas do Egipto vão obrigatoriamente espalhar-se por toda a Terra —, mas também advém de uma inexplicável falta de energia para lutar por aquilo que temos de mais precioso. Aqui será já o factor Fukuyama a funcionar — as elites ocidentais convenceram-se de que a História tinha mesmo acabado, condenando-nos a viver numa pachorrenta calmaria política até ao fim dos tempos, e agora que os ventos da História começaram novamente a soprar, e que tudo se pôs outra vez em movimento, a elite é surpreendida com o balanço do mundo. Pior: está sempre com cara de quem se esqueceu de comprar os comprimidos para o enjoo.
Ora, a democracia é pela sua própria natureza conflitual, e não percebo que nos falte estamina para lutar de queixo levantado pelos valores que nos são mais caros. Até porque a maior parte das pessoas — seja em França, seja nos EUA — continua a estar do lado certo. Não há dúvida de que os partidos estão em crise, mas o que Emmanuel Macron está a provar em França é que a renovação política pode nascer a partir do centro. Isso não é coisa de somenos. Amanhã à noite, quando ele vencer, faça um favor a si próprio — anime-se. E não se sinta ridículo por causa disso.
P.S.: Pedro Duarte e Vasco Lourenço tiveram a simpatia de responder ao meu artigo “Deve um maçon chegar a primeiro-ministro?”. Embora mantendo pontos de vista divergentes, agradeço a ambos a urbanidade das suas respostas. Pedro Duarte, em particular, fez questão de esclarecer que não é maçon e adiantou explicações acerca do único contacto que teve com a maçonaria. É este o tipo de transparência que os cidadãos merecem por parte de quem os representa. Espero que outros possam seguir o seu exemplo.