Nem uma coisa nem outra
Pela minha parte, João Miguel Tavares pode ficar descansado: não sou nem maçon, nem candidato a primeiro-ministro.
Há uns dias (27/04/17), com a atenção e consideração habituais, li um artigo do João Miguel Tavares (J.M.T.), em que se insurgia contra a falta de rigor de um comentador concorrente. Atribuía essas falhas, designadamente, ao facto de o mesmo exercer esta atividade em diferentes meios e em simultâneo. Afirmava J.M.T. que “é fisicamente impossível estar informado acerca de todos os assuntos sobre os quais debita opinião”.
Tendo a acreditar que talvez seja essa a razão que explica a crónica que dedicou à minha pessoa e, principalmente, ao Luís Montenegro esta semana (02/05/17), neste jornal. A propósito de uma legítima crítica à maçonaria resolveu, com uma cândida leveza, associar nomes e histórias para ilustrar o seu argumento. Bem sei que vivemos a era dos “factos alternativos”, mas recuso-me a incluir o J.M.T. nesse chiqueiro. Impõe-se, assim, um esclarecimento: não pertenço à maçonaria! Em toda a minha vida o contacto com essa organização resume-se a uma, no máximo, duas horas. Há uns anos largos (talvez uns dez) participei numa reunião com um grupo de membros maçónicos, a convite de uns amigos que considero. Apesar de nada ter visto ou ouvido que me incomodasse, percebi que aquilo não era para mim. Quem me conhece percebe bem porquê. Nunca mais voltei a ter qualquer tipo de contacto, de qualquer espécie, com a maçonaria. Por opção própria! E bem antes dos escândalos a que alude J.M.T.
Esta condição, de resto, dá-me mais liberdade para contestar o argumento mais estrutural do J.M.T. no seu artigo, quando advoga uma suposta ilegitimidade de pertencer a este grupo (discreto ou secreto) por parte de quem está em determinada circunstância (neste caso, quem tem ambições políticas).
É, na minha modesta opinião, uma narrativa perigosa, a roçar o totalitarismo. Entendamo-nos... participar em grupos de amigos, encontros de família, reuniões associativas, assembleias do clube ou tertúlias partidárias é um direito fundamental que a todos assiste. De igual modo, promover uma reunião familiar, não a tornando pública, para tratar de negócios ou selar acordos, não é ilícito. Organizar um jantar de amigos para o mesmo fim não é crime. Fundar um “clube do Bolinha” para promover cumplicidades não viola nenhuma lei material ou ética. O problema reside nas atividades ilícitas ou mesmo criminosas que, eventualmente, poderão decorrer dessas iniciativas. É aí que o Estado tem de ter mão poderosa. É aí que o povo deve poder escrutinar e penalizar.
Mesmo quando conhecemos casos que nos indignam, associados a esta ou aquela organização, não devemos colocar em causa certos princípios basilares de uma democracia liberal. Arrisco-me a dizer, pelo que conheço do seu pensamento, que o J.M.T. até concorda com isto. A liberdade individual e a defesa contra ingerências indevidas do “Estado” nas vidas privadas são valores que não podem vacilar perante episódios circunstanciais, por mais graves que possam ser. Combatamos vigorosamente as ilegalidades e as atividades criminosas. Escrutinemos e denunciemos os atos eticamente duvidosos. Mas não ponham o Estado, ou quem quer que seja, a escolher com quem conversamos ou com quem nos encontramos!
Defendo este argumento com a legitimidade de, precisamente, não pertencer à maçonaria ou a qualquer outra organização de natureza similar. Por opção, não por preconceito ou por alguém me impedir. E é assim que deve ser!
J.M.T. terminou o seu texto com uma interpelação direta: “Ou [sic] maçons ou candidatos a primeiro-ministro.” Pela minha parte, pode ficar descansado... não sou uma coisa nem outra.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico