A tradição cumpre-se há 20 anos em Barroselas pelos guerreiros de aço do SWR Metalfest
A 20.ª edição do festival dedicado às sonoridades mais extremas do heavy metal começou na sexta-feira. Cerca de sete mil pessoas quiseram celebrar o aniversário redondo do evento que muitos consideram o Natal dos “metaleiros”.
A tradição cumpre-se mais uma vez. É a 20.ª reunião dos “guerreiros de aço”, que convocaram os “metaleiros” de todo o país e além fronteiras para uma espécie de best of do Steel Warriors Rebellion Metalfest (SWR) a rumar à pacata vila de Barroselas, no concelho de Viana do Castelo, para três dias de festa que terminam na madrugada desta segunda-feira. Não é para quem quer, é para quem pode: este é um festival feito para os duros com tímpanos de aço e resistentes às intempéries próprias do mês de Abril.
Death, thrash, doom ou black são os subgéneros do heavy metal preponderantes no cartaz do festival, feito para um nicho dentro de outro nicho, o underground do underground. Desde sexta-feira, são 20 edições consecutivas que aqui se celebram com muitos nomes repetentes e que se confundem com a própria história do evento. O submundo do género fez-se e cresceu muito a reboque do SWR, que durante muitos anos foi dos poucos palcos onde às bandas internacionais se juntavam propostas nacionais como os Grog, Holocausto Canibal ou Corpus Christii – todas parte do cartaz deste ano.
“É bom estar de volta a uma casa que faz parte do nosso percurso”, diz-nos "Svencho" de Caluwé, vocalista dos belgas Aborted, que não tocavam no SWR há 15 anos e no ano passado cancelaram o regresso, então adiado para 2017. Com os espanhóis Avulsed – que tocaram na primeira edição, em 1998, que ainda se realizou na Casa do Povo local –, e os britânicos Akercocke ou Venom, são um dos regressos internacionais deste cartaz dos 20 anos. De resto, foi e continua a ser o SWR a porta de entrada da banda mais escondida do género pelos quatro cantos do mundo.
Barreiras quebradas
Foram também estas bandas que fizeram do festival aquilo que é hoje. Se em 1998 o cartaz se resumia a uma mão cheia de actuações, actualmente há um recinto composto por três palcos distribuídos pelos terrenos da associação desportiva local e cerca de meia centena de concertos. O formato estabilizou há dez anos. O festival cresceu e foi abrindo portas a novas propostas fora dos subgéneros que o caracterizam, e que funcionam também como intervalo para recuperar da descarga de distorção que começa impreterivelmente às 17h e termina já de madrugada.
Os nacionais My Master the Sun são um desses exemplos quebra-gelo. Tocam no início da tarde de sábado no palco 3, com entrada gratuita, para uma plateia que não estranha o stoner/doom deslocado do que seria suposto esperar de um evento talhado para as sonoridades mais extremas. A verdade é que deixou de ser estranho ter híbridos deste género maior que é o metal no evento. Aos poucos a organização foi quebrando algumas barreiras e introduzindo, ainda que numa escala reduzida, novos subgéneros que numa fase inicial não seriam tão bem aceites por um público considerado tradicional nas suas preferências musicais.
No sábado, os norte-americanos Cobalt, pela primeira vez na Europa, onde chegaram referenciados como um dos nomes da nova vaga US black metal (rótulo que os próprios dizem desconhecer e não é tão bem visto pelos puristas do género), conseguiram captar a atenção do público que se juntou em massa frente ao palco 1. Na verdade, o som que fazem aproxima-se mais de um sludge que volta e meia é possuído pelo género que se moldou nos países nórdicos. Não é tarefa fácil, quando se tem de competir no mesmo cartaz com uns dos fundadores do estilo – os Mayhem. Conseguiram. Os finlandeses Oranssi Pazuzu também arriscam incorporar elementos estranhos ao género. Deram-nos uma dose de black metal pintado em tons de psicadélico e terão sido a surpresa da noite de sábado.
Contar os dias
O SWR é um festival de música, mas é também um ponto de encontro. É o “Natal dos metaleiros”, chamam-lhe. Revêem-se caras que a distância não permite que se encontrem mais do que uma vez por ano, aqui, na vila minhota. Distribuem-se abraços e convive-se. Ninguém vê os concertos todos. Selecciona-se e guarda-se parte do tempo para estar com os velhos companheiros de armas.
Pedro Pedra, dos nacionais Grog, banda que já trilhava os caminhos do death metal quando o género ainda se estava a formar, sublinha o espírito diferente que se vive nestes três dias. “Este foi um dos festivais a dar um pontapé de saída dentro do estilo”, diz-nos, acrescentando que é o registo “familiar” que garante o sucesso do mesmo.
É esse registo que faz com que Daniel Makosch, na casa dos 50 anos, continue a trabalhar ano após ano no festival. É o mestre de cerimónias das bandas e o facilitador pronto a resolver eventuais percalços. “O público que cá vem vive isto de uma forma especial. Programa a vida em função do festival e conta os dias até à próxima edição”, conta.
Os obreiros e fundadores do festival, dois irmãos da terra, Ricardo e Tiago Veiga, conseguiram pôr a vila no mapa. Durante o festival não param. Com Sofia Rocha, braço direito e peça fundamental na engrenagem, coordenam uma equipa que salvo raras excepções já trabalha em conjunto há largos anos. “Uma das vantagens da equipa é conhecer bem o nosso público e o género em questão”, diz Tiago.
De ano para ano, apesar de o volume de público ter aumentado (recebem actualmente cerca de sete mil pessoas), organizam o evento cada vez com mais tranquilidade. Nas primeiras edições, explica Ricardo, tiveram de provar perante a vila, com cerca de quatro mil habitantes, que o festival tinha espaço. “Se no início as pessoas olhavam para o festival com desconfiança, hoje perguntam-nos quantos dias faltam para começar."