O adufe definhava até que Idanha o arrebatou e lhe deu nova vida

O adufe, com raízes que remontam às grandes civilizações antigas, volta agora a renascer em força nas aldeias de Idanha-a-Nova. Presente em grande parte das romarias da Beira Baixa, só as mulheres o tocam

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É em Idanha-A-Nova, mais especificamente na zona histórica da vila, que se situa a Oficina de Artes Tradicionais, onde trabalha Catarina Mendonça, uma das poucas pessoas que, nos dias de hoje, produz adufes em Portugal. A calma e serenidade deste espaço permitem aprender ou observar técnicas milenares, nomeadamente da olaria, da tecelagem, a manufatura de adufes, marafonas, rodilhas, sacolas e muitas outras. Do seu interior, sai o som de um ligeiro martelar.

Catarina, uma das quatro funcionárias do espaço, encontra-se na sua mesa de trabalho pregando as armas, pedaços de madeira que constituirão a base principal do adufe. Já com a armação finalizada, Catarina cobre-a com a pele, frequentemente de borrego ou ovelha. Antes de fazer o fecho do adufe, põe lá dentro caricas, para que ele possa produzir o seu som característico.

“Antigamente eram colocadas chapas ou pedras. Hoje, utiliza-se caricas por serem mais fáceis de arranjar”, explica a funcionária. A pele é comprada, já curtida, a uma fábrica, chegando à oficina completamente seca e dura. Para poder ser trabalhada, é necessário que se coloque em água durante 24 horas, amolecendo-a.

“O passo seguinte é coser a pele”. Enquanto o faz, Catarina explica que só é cosida de três lados, aproveitando um dos lados da pele, o que facilita este processo e permite que a pele seja correctamente esticada. Findada esta etapa, faz-se o embelezamento do instrumento. É colocada uma fita de seda larga e colorida sobre a costura da pele, fixando-a com pequenos pregos de cobre. Nos cantos, são aplicados vários pedaços de tecidos de diversas cores, as maravalhas. Por fim, o adufe é colocado ao sol até estar pronto a utilizar, o que faz com que a produção de adufes se dê, essencialmente, no Verão.

O adufe, instrumento musical de percussão, foi introduzido na Península Ibérica entre os séculos VIII e IX, pela mão dos árabes, sendo tocado somente por mulheres. Esta ligação do instrumento ao género feminino remonta às “civilizações da Mesopotâmia, do Egipto, da Grécia, de Roma e do mundo pré-islâmico, dado os testemunhos iconográficos que o apresentam em mãos de mulheres”, diz Alexandre Martins Gaspar, técnico de animação cultural da Câmara Municipal de Idanha-A-Nova, responsável pelo Fórum e Centro de Artes Tradicionais da vila. O instrumento encontra-se “ligado a rituais mágico-religiosos das culturas de tipo pastoril e também associados a bailes festivos”, afirma o técnico.

Idanha-A-Nova foi a vila portuguesa que adoptou e reivindicou o instrumento. Antigamente, qualquer pessoa fazia o seu próprio adufe, sendo muito comum a sua utilização. Com o passar dos anos tanto a produção como a utilização diminuíram. No entanto, a vila da Beira Baixa tem levado a cabo o desafio de incentivar e estimular a população a produzir adufes, de modo a fazer perdurar a tradição e cultura, o que contribui, ainda, para o turismo do concelho.

Para além do estímulo de produção realizado a nível local, a Câmara tem procurado divulgar a produção do instrumento, tanto a nível nacional como internacional. Graças à grande divulgação realizada, a vila de Idanha-A-Nova é a representante de Portugal num dos mercados de Natal mais emblemáticos a nível mundial, o Mercado de Natal de Estrasburgo. “As pessoas têm adorado o adufe de tal forma que já não temos adufes suficientes para cobrir as encomendas”, afirma Alexandre. O instrumento é encomendado, também em grande número, por vários grupos espanhóis, que o utilizam para as suas festividades. Irá realizar-se ainda um concerto de Natal em Idanha-A-Nova, que contará com a participação principal do adufe.

Actualmente, os adufes são produzidos em apenas dois locais na vila, sendo um deles a Oficina de Artes Tradicionais e o outro a casa do artesão José Relvas, local onde se encontra o adufe mais antigo de Portugal, sendo um instrumento ainda feito com guizos no seu interior, material que já só é utilizado caso solicitado. O número de grupos que tocam o instrumento tem vindo a aumentar em todas as freguesias do concelho, existindo em média um grupo por cada uma das 13 freguesias.

Os músicos, no geral, andam todos atrás do adufe, porém, não há conhecimento de nenhum especialista em adufes no país. Realizam-se, anualmente, vários eventos por todas as freguesias do concelho que contam com a presença de inúmeros especialistas em música e cultura. O seu uso é muito comum nas romarias da Beira Baixa. Em Idanha-A-Nova, integra-se no ciclo das festividades locais, tendo lugar de destaque na romaria da Senhora do Almortão, uma das manifestações religiosas mais expressivas da área, que decorre entre este domingo e terça-feira.

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