Ser imigrante não é factor de risco para o VIH, ser-se pobre e excluído sim

Investigadora fez testes de VIH a imigrantes da África subsariana e registou taxa de infecção de 5%. Há barreiras no acesso à saúde.

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Estudo Imigrantes VIH/sida é apresentado esta quarta-feira em Lisboa

As condições de exclusão e vulnerabilidade social são o maior factor de risco de exposição e propagação do VIH entre os imigrantes. O estudo Imigrantes VIH/sida que é apresentado esta quarta-feira, em Lisboa, no 4.º Congresso Nacional de Medicina Tropical, apontou uma “relativamente preocupante” taxa de infecção por VIH de 5% entre um grupo de 790 imigrantes da África Subsariana fixados no distrito de Lisboa e aponta dois desafios claros: o primeiro é a necessidade de derrubar as barreiras que estes imigrantes encontram no acesso aos cuidados de saúde e o segundo é combater o estigma que continua associado à doença e que afugenta os seus portadores dos testes de despistagem.

“É preciso encontrar estratégias para alargar a cobertura do teste rápido para o VIH, principalmente junto dos grupos de maior risco, e depois garantir que as pessoas têm o acompanhamento necessário por parte dos serviços de saúde”, enfatiza Sónia Dias, coordenadora do estudo desenvolvido pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical e financiado pela Direcção-Geral da Saúde. Além do tradicional questionário, os 790 imigrantes maioritariamente oriundos da Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola e São Tomé e Príncipe - 458 homens e 332 mulheres, com uma média de idades a rondar os 38 anos - receberam um kit com preservativos e um teste rápido para o VIH. No final, 5,4% obtiveram um resultado reactivo no teste.

“É uma taxa acima da população em geral, mas convém ter presente que estamos a falar de uma epidemia concentrada nalguns grupos prioritários, como os homens que fazem sexo com outros homens e os toxicodependentes”, contextualiza Sónia Dias, para insistir que, mais do que o estatuto de imigrante, o que pesa nesta taxa de infecção são factores  como a pobreza, a falta de protecção social e a exclusão.

48% estavam desempregados

Entre os inquiridos, 77% declararam um rendimento familiar insuficiente e 48% estavam desempregados. E, apesar de a grande maioria residir em Portugal há mais de cinco anos, cerca de 77% dos homens nunca tinham utilizado um serviço/consulta na área da saúde sexual. Quando questionados sobre se sabiam onde realizar o teste para o VIH, 54% declararam não saber. Do total de inquiridos, 51% nunca tinham feito o teste. Isto apesar de 43% dos inquiridos terem apontado dois ou mais parceiros sexuais no ano anterior ao questionário. Mesmo entre os que admitiram que a última relação sexual tinha sido desprotegida, a maioria não se considerou em risco de contrair VIH.

Apesar de centrado num subgrupo mais vulnerável de imigrantes - pelo que as conclusões não reflectem a situação da infecção pelo VIH nos imigrantes em Portugal -, estes dados “reforçam a importância de considerar a população imigrante como uma população prioritária de intervenção”. “Algumas das barreiras existentes decorrem do desconhecimento, por parte desta população, do direito que têm a aceder aos serviços de saúde. E o facto de percentagens consideráveis dos imigrantes nunca terem realizado um teste antes e outros desconhecerem que eram portadores da infecção mostra-nos a urgência de aumentar a cobertura do teste e depois garantir o necessário acompanhamento por parte dos serviços de saúde”, insiste a coordenadora do estudo, para quem há que garantir que “as questões ligadas ao VIH e a outras infecções sexualmente transmissíveis sejam integradas nos cuidados de saúde primários de forma mais global".

A consciência do papel que os migrantes podem ajudar no rejuvenescimento demográfico, tem levado cada vez mais países europeus a preocupar-se com a equidade no acesso aos cuidados de saúde e, garante Sónia Dias, “Portugal até é um exemplo de boas práticas, estando, aliás, a investir na preparação dos profissionais de saúde para prestar cuidados a populações culturalmente diversas”. 

Em Portugal, os imigrantes foram responsáveis por 17,1% dos novos casos de infecção registados em 2014 em Portugal, segundo o Programa Nacional para a Infecção VIH/sida. No último relatório, divulgado em 2015, lia-se já que “a questão da infecção por VIH nas populações migrantes deve merecer a aplicação de uma estratégia nacional específica”. Os dados mais recentes do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/sida mostram que a doença está a crescer ao ritmo de 5700 infecções por dia, calculando-se em 37 milhões o número de infectados por VIH. 

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