Esquerda contra Programa de Estabilidade, mas é direita que avança com alternativas
Ideologicamente é a esquerda quem rejeita o Programa de Estabilidade: fala em “espartilhos”, apela à insubmissão. Mas até agora foi a direita, pela voz do CDS, que anunciou uma iniciativa: uma resolução que propõe a rejeição do documento e medidas alternativas.
Da direita à esquerda, o tom é de crítica em relação ao Programa de Estabilidade (PE), mas para já só o CDS anunciou que avançará com uma proposta de rejeição e com alternativas, nas áreas do investimento, da educação e da saúde. Quanto aos partidos que apoiam o executivo, embora o Bloco de Esquerda já tenha apelado à “coragem” para Portugal não se submeter à União Europeia (UE), o PCP tem levantado mais a voz. O comunista Paulo Sá considera que o documento põe a nu a “contradição” do Governo de querer, por um lado, prosseguir a política de reposição de rendimentos e, por outro, cumprir as exigências europeias.
Ao PÚBLICO, o centrista Pedro Mota Soares disse que o partido apresentará propostas, que ainda não estão concluídas: “Somos muito críticos face ao PE, mas por cada crítica e rejeição apresentamos a nossa alternativa”. Serão nas áreas da economia e investimento, por considerarem que sem investimento “não há crescimento da economia, não há recuperação do emprego, nem redução de problemas que tem a ver com a dívida pública”; da qualificação dos portugueses, para reduzir o abandono escolar; e da saúde, para diminuir dívidas dos hospitais. “São três áreas em que o país está pior do que em 2015”, diz Pedro Mota Soares.
Os comunistas já deixaram claro que chumbarão a resolução de rejeição, por considerarem que o CDS quer apenas criar “problemas” e "obstáculos" à maioria parlamentar de esquerda. “Rejeitamos essa atitude e não apoiaremos uma iniciativa desta natureza”, diz Paulo Sá ao PÚBLICO. O que está longe de significar que apoiam o documento: “O PCP não irá apresentar nenhuma iniciativa de apoio ao PE, por representar uma sujeição às imposições da UE. Todos estes documentos representam um espartilho e não nos enfiam lá dentro”, observa Paulo Sá que, na passada semana, já tinha dito: “O PCP vai discutir o programa e não vai, obviamente, sujeitá-lo à votação.”
A estratégia da esquerda parece ser, assim, a de atirar para o lado o Programa de Estabilidade, insistindo que não se deixarão condicionar pelas metas desenhadas no documento e que continuarão a fazer as propostas que considerarem essenciais, incluindo, e sobretudo, no que toca ao próximo Orçamento do Estado. “O PCP continuará a apresentar propostas concretas para a resolução dos problemas nacionais”, garante o comunista.
Há muito que os dois partidos – Bloco e PCP – têm avisado que preferem libertar dinheiro para investimento do que sujeitarem-se à pressão europeia para cumprimento do défice.
Ao PÚBLICO, Paulo Sá reiterou que “a simples apresentação deste programa de Estabilidade” é “já uma sujeição do Governo às imposições da União Europeia”. E, por isso, os comunistas distanciam-se daquelas contas: “É um documento do Governo, da responsabilidade do Governo, sobre aquilo que são as opções e política orçamental.”
Para Paulo Sá, os montantes previstos, por exemplo, para questões como o IRS ou o descongelamento da progressão das carreiras são “insuficientes”. Os comunistas preocupam-se, que, de acordo com o Programa de Estabilidade, “a reversão do saque fiscal” fique a meio, e também se preocupam com o facto de o Governo resistir a renegociar a dívida pública.
Esquerda quer mais
“A opção do Governo tem sido dar prioridade à consolidação das contas públicas e à redução do défice. Esta é a opção do Governo: reduzir o défice a um ritmo imposto pela União Europeia, o que limita a capacidade de dar resposta aos problemas do país e, para nós, essa devia ser a prioridade. Perante as opções do Governo em reduzir o défice desta forma, como é que se consegue continuar e aprofundar a política de reposição de rendimentos?”, questiona Paulo Sá, para quem o país tem ainda um caminho a fazer na reposição de rendimentos. Um argumento também usado pela coordenadora do Bloco, Catarina Martins.
“Essas medidas que foram conseguidas [pela maioria parlamentar de esquerda] são limitadas, é preciso continuar e aprofundar”, diz o deputado do PCP.
Com uma linha discursiva próxima, a voz do Bloco só tem sido menos dura porque, apesar de não se reverem no documento, os bloquistas consideram que, em linhas gerais, não fere o acordo à esquerda. Ainda assim, espera-se que nesta segunda-feira o Bloco faça uma análise mais detalhada do documento.
Na semana passada, a coordenadora disse num jantar na Lousã: “Tanto quanto percebemos até agora, [o Programa de Estabilidade] não ataca as linhas gerais das posições conjuntas assinadas, mas é preciso ter essa coragem de dar o passo determinante para sair da crise em Portugal, para que não fique ninguém para trás, para que não falhemos a quem trabalha e trabalhou e quer trabalhar no nosso país.”
Foi nesse jantar que Catarina Martins insistiu na palavra coragem: “O que vemos hoje é que, quando houve a força, a coragem, a determinação para acabar com os cortes nos salários, nas pensões, para aumentar o salário mínimo nacional, (…) quando houve a coragem para recuperar rendimentos e direitos de quem vive do trabalho neste país, a economia ficou melhor.” E frisou que “Portugal ganha quando não é submisso”.
O CDS e o PSD também deverão voltar ao tema, entre esta segunda-feira e quarta, no Parlamento. Ainda assim, fonte da direcção da bancada parlamentar do PSD afirmou, sobre o documento: “As metas são pouco ambiciosas para o que o país precisa e para poder dar sustentabilidade às contas públicas, porque, na verdade, o país está a crescer muito menos do que estaria se as políticas fossem as correctas e se houvesse uma verdadeira agenda reformista por parte do Governo.” Os sociais-democratas acrescentam ainda o seguinte: “Neste cenário de pouco crescimento económico, o Governo tem vindo a recorrer a medidas extraordinárias e irrepetíveis que não tornam a redução do défice sustentável, pela razão de que esta diminuição não é feita por força de um crescimento económico robusto como havia todas as condições de prosseguir após 2015.”
Apesar deste cartão vermelho, os sociais-democratas insistem que têm todas as hipóteses em cima da mesa: votar ou não favoravelmente a iniciativa do CDS e apresentar ou não uma iniciativa própria.