Dalida, foi há trinta anos e é hoje
Um filme (agora em estreia) sobre a cantora Dalida fá-la reviver trinta anos após o seu suicídio em Paris.
Hoje, Dalida suicida-se numa tela de cinema. Como há trinta anos, em 3 de Maio de 1987, na vida real. E suicida-se por duas vezes: malograda a primeira, conseguida a segunda. O filme Dalida, que hoje se estreia nas salas portuguesas, começa no primeiro desses momentos trágicos (de que recuperou, após cinco dias em coma, em 1967) e termina vinte anos depois, no segundo, que lhe foi fatal. Entre ambos, com recurso a flashbacks, corre uma vida de sucessos, ilusões, desilusões e tragédias. Ressalvando o que dele dirão os críticos de cinema, a curiosidade maior de Dalida é trazer-nos, como se fosse um documentário, os momentos-chave de um fenómeno musical onde uma imensa popularidade andou de braço dado com o desespero íntimo de uma dolorosa solidão. E há outro fenómeno curioso: a realizadora do filme, a francesa Lisa Azuelos, é também ela filha de uma conhecida cantora e actriz, Marie Laforêt, francesa de raízes occitano-catalãs.
Dalida, cantando e gravando em nove línguas (italiano, francês, alemão, inglês, espanhol, árabe, hebraico, holandês, japonês), era como se não pertencesse em concreto a parte alguma. Nascida Yolanda Cristina Gigliotti, no Cairo, Egipto, em 17 de Janeiro de 1933, numa família de imigrantes italianos vindos da Calábria, aprendeu na infância e juventude o italiano materno, o árabe e o francês. Miss Egipto em 1950, foi modelo no Cairo e depois actriz de cinema. Foi aí que um realizador francês a conheceu, ao vê-la num filme numa sala egípcia, aconselhando-a a fazer carreira em França. Foi o que ela fez, mas como o cinema não lhe sorriu arriscou ser cantora em cabarés. E foi num deles que Bruno Coquatrix (do Olympia), que estava com Lucien Morisse (da Radio Europe 1) e Eddy Barclay (da editora de discos homónima), a descobriu. O resto fez-se história e lenda. A sua ascensão foi meteórica, mas os desencantos (amorosos e outros) não lhe deram paz. Yolanda, que se transformara em Dalila para actuar no cinema e depois em Dalida por sugestão dos seus novos “padrinhos” franceses, viveu num turbilhão de emoções que só a custo controlava. Sendo o italiano o seu idioma materno, o francês em que se expressava, a falar e cantar, tinha um curioso sotaque que em nada a atrapalhou (é possível conferir isso agora no filme, onde há excertos de dezenas de canções e todas na voz dela, com o som devidamente recuperado). De Bambino a Gigi L’Amoroso ou à pungente Je suis malade, Dalida gravou centenas de originais ou versões, foi editada em 39 países (em Portugal, teve 37 singles e 7 LP) e vendeu, segundo o seu site oficial, 120 milhões de discos em vida e mais 20 milhões depois de morrer, o que lhe valeu receber 55 discos de ouro e um de diamante (que nenhuma cantora recebera antes dela).
Amália, outra cantora poliglota e ainda mais universal (a recente edição de Amália em Itália, em imperdível CD triplo, é mais uma prova dessa universalidade), cruzou-se com Dalida em Paris e disse a Vítor Pavão dos Santos na sua biografia (ed. Presença, 2005): “Houve artistas em França que fizeram carreira um bocado por causa do meu êxito, ou até por cantar as minhas coisas: a Rika Zaraï, a Gloria Lasso e especialmente a Dalida que cantava o Barco Negro, o Aïe mourir pour toi e outras coisas. Mas essa, sempre disse que me devia o princípio da carreira” (Pág. 126). Só não lhe deveu o fim. Assombrada por ocorrências trágicas e perdas (três dos homens com quem viveu suicidaram-se), pôs termo à vida com barbitúricos. Na mensagem que deixou, lia-se: “Perdoem-me, a vida é-me insuportável.” Dalida, o filme, fá-la reviver. Uma outra vez.