As cartilhas dos comentadores e o tempo perdido
Ainda não tinham notado que estes programas televisivos com adeptos dos três "grandes" se tinham transformado no prolongamento da batalha dos clubes por outros meios?
Enquanto não chega o próximo jogo, o próximo caso de arbitragem ou a próxima agressão a um árbitro, o país futebolístico entreteve-se por estes dias com a revelação de que o Benfica envia uma cartilha com informações para os comentadores televisivos afectos ao clube. Uma espécie de argumentário para a batalha com os outros clubes.
A minha primeira pergunta é se alguém ficou realmente surpreendido com esta revelação? Ainda não tinham notado que estes programas televisivos com adeptos dos três "grandes" se tinham transformado no prolongamento da batalha dos clubes por outros meios?
Ainda me lembro de no início destes programas, alguns destes adeptos-comentadores fazerem verdadeiramente oposição ao presidente do clube. Diziam o que pensavam e, muitas vezes, criticavam o próprio clube. Com o tempo, e com a crescente profissionalização dos seus departamentos de comunicação, os clubes acharam que aquele palco era demasiado valioso para ser ocupado por "atiradores furtivos". E assim surgiram os briefings, os jantares, as cartilhas, e sabe-se lá o que mais, para instruir os comentadores e pô-los a defender os interesses dos clubes.
A atracção pelo “telelixo” será uma das razões do sucesso destes programas – que, até algo surpreendentemente, continuam semana após semana a ir para o ar. Outra razão para subsistirem será o facto de o tipo de debate (e o nível dos argumentos) ser idêntico a muitas conversas de café por esse país fora, onde se perde mais tempo a discutir o penálti não marcado, o fora-de-jogo mal assinalado e a frase do presidente.
Confesso que há muito deixei de acompanhar estes programas televisivos com adeptos-comentadores. Se é para ver programas sobre futebol, prefiro o Grande Área, da RTP, e ou o MaisFutebol, da TVI, onde se discute realmente o futebol e não o lixo que o rodeia. E, na verdade, como o tempo é escasso, prefiro ainda mais ver ou jogar futebol. Ou fazer outras coisas.
Por último, confesso que me intriga esta estratégia de poluição do negócio adoptada pelos clubes. Em vez de promover uma modalidade que mexe com milhões de euros, preferem o conflito. Estou curioso para ver como as novas gerações, que hoje têm mil e uma opções de diversão à sua escolha, vão reagir a esta estratégia. É que esta cartilha pode sair cara.