Num debate inédito em França, ganhou um candidato de extrema-esquerda
Philippe Poutou, do Partido Anti-Capitalista, foi o vencedor de três horas televisivas em 11 políticos que concorrem às presidenciais francesas se enfrentaram.
Os 11 candidatos às eleições presidenciais francesas confrontaram-se esta terça-feira, em Paris, num debate televisivo que opôs os grandes conta os pequenos, em que aqueles que têm bem menos de 5% das intenções voto tiveram tanto tempo de antena como os favoritos. Em cerca de três horas, a menos de três semanas da primeira volta da ida às urnas, os temas económicos e os escândalos judiciais que ensombram as campanhas de François Fillon e de Marine Le Pen marcaram a discussão. E Philippe Poutou, um ex-sindicalista, impôs-se a todos.
Candidatos da extrema-esquerda, como Philippe Poutou e Nathalie Arthaud, ou soberanistas como Nicolas Dupont-Aignan, fizeram ouvir uma voz mais radical do que a de Marine Le Pen ou Jean-Luc Mélenchon, os tribunos habitualmente mais tonitruantes da campanha, reduzidos a uma posição bem mais discreta do que o habitual. François Fillon, normalmente com boas prestações televisivas, teve uma participação mais discreta.
Não é a primeira vez que Poutou, Novo Partido Anti-Capitalista, se candidata. Mas neste modelo de debate, conseguiu tornar-se a estrela da noite. Os outros mantiveram-se fiéis ao respectivo programa. Ele desempenhou o papel do desafiador. E nestas complicadas eleições, cheias de reviravoltas, há muito com que desafiar os favoritos.
Poutou, um antigo trabalhador fabril da indústria automóvel, e cujo resultado previsto para as eleições presidenciais é baixo, disse a Marine Le Pen, a candidata do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), que as pessoas normais não têm hipótese de contrariar as autoridades: quando recebem uma convocação da polícia para ir depor, têm mesmo de o fazer. “Quando for convocada pela polícia, você vai. Não há imunidade”, afirmou trazendo a lume o caso em que a líder da FN utilizou a imunidade enquanto eurodeputada - que entretanto foi levantada - para não ser interrogada pelas autoridades sobre alegados pagamentos ilegais a membros do seu partido utilizando fundos europeus.
Outra candidata da esquerda, Nathalie Arthaud, juntou-se aos ataques a Le Pen: “Os ‘caixas’ dos supermercados podem ser despedidos apenas por roubarem um voucher. Existe uma discrepância chocante aqui”.
A candidata da FN rejeitou as acusações afirmando ser vítima de “perseguição política”. “Isto é um interrogatório? Pensava que isto era um debate mas parece que os procuradores estão aqui”, afirmou.
Depois, Poutou virou-se para o candidato da direita, François Fillon, que tem sido devorado por uma sucessão de casos que sugerem corrupção e abuso das suas funções. "Desde Janeiro, tem sido um festival. É só casos. Quanto mais se escava, mas se sente o cheiro a corrupção e a falcatruas..." Referia-se à investigação sobre o abuso de fundos públicos por Fillon para contratar a mulher como assistente parlamentar, embora sem que pareça haver provas de que tenha desempenhado realmente funções. Ambos foram formalmente acusados e estão sob investigação.
Fillon resmungou e mastigou palavras que sugeriam ameaças. “Não me vou intimidar”, respondeu em voz alta Fillon, afirmando que não responderia a perguntas sobre as acusações. “Vou levá-lo a tribunal por isso”, ameaçou o candidato dos Republicanos, aumentando o volume da voz, num dos momentos mais tensos do debate.
Para além deste tom de desafio, as discussões mais acesas centraram-se nos temas económicos, como sobre a criação de empregos, o modelo social do país, mas também a segurança.
Os candidatos que vão à frente na intenção de voto dos franceses, o centrista independente Emmanuel Macron e a líder da FN Marine Le Pen - mais ou menos com 25% cada um na primeira volta, a 23 de Abril, e Macron dado como vencedor na segunda, a 7 de Maio - defendem políticas económicas muito diferentes.
Em resposta à pergunta sobre como queriam criar empregos num país onde a taxa de desemprego é cerca de 10% há vários anos, Macron avançou com medidas a favor da política económica da União Europeia no sentido da defesa do mercado livre, Le Pen apoiou medidas que levem a um "proteccionismo inteligente". O centrista propôs-se ainda cortar os impostos sobre as empresas, liberalizar o mercado de trabalho e aumentar as negociações entre os parceiros sociais (sindicatos e patronato) como forma para criar empregos.
Por seu lado, Marine Le Pen pretende que a França saia da União Europeia e propõe um imposto sobre as empresas que contratem mão-de-obra estrangeira. "Sem um proteccionismo inteligente vamos assistir à destruição dos empregos, um atrás de outro", disse a candidata da FN, acrescentando que a sua prioridade será cortar impostos nas pequenas e médias empresas.
Le Pen atacou várias vezes Macron, numa altura em que as sondagens indicam que os dois são os mais prováveis vencedores da primeira volta das eleições e se deverão enfrentar na segunda volta. "Senhora Le Pen, desculpe ter de lhe dizer, mas está a usar mentiras que já ouvimos há 40 anos da boca do seu pai", atacou Macron, fazendo uma referência ao fundador do Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, que foi condenado várias vezes por crimes anti-semitas e racistas.
O candidato do Partido Socialista, Benoit Hamon, que segundo as sondagens não passará da primeira volta, acusou Le Pen de se “fazer de vítima”.
A primeira volta das eleições entre os 11 candidatos tem lugar em 23 de Abril e a segunda volta, com os dois mais votados, será a 7 de Maio.