Atrasos do Governo deixam metas da reciclagem de embalagens em causa

Neste sábado, uma nova entidade gestora de resíduos de embalagem devia começar a operar, juntando-se à Sociedade Ponto Verde, mas tudo indica que os atrasos do Ministério do Ambiente não possibilitarão arrancar com o modelo concorrencial

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Fernando Veludo

O Ministério do Ambiente reconheceu nesta sexta-feira, na véspera da data prevista para uma nova entidade gestora dos resíduos de embalagens começar a operar no terreno, que falta definir um conjunto de regras que permitirão que este sistema funcione num modelo concorrencial. Tal pode colocar as metas internas e europeias da reciclagem em causa.

Ao início da noite de sexta, ainda não era possível perceber se a nova entidade gestora, a Novo Verde — que irá dividir o mercado com a Sociedade Ponto Verde (SPV), que opera sozinha desde 1997, — ia de facto começar a gerir resíduos a partir deste sábado, como era suposto. Contactada pelo PÚBLICO, a Novo Verde disse ainda estar a analisar a situação, remetendo uma posição para segunda-feira.

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Contudo, na semana passada uma fonte ligada à Novo Verde considerava que não teria condições para começar a funcionar, sem que o Ministério do Ambiente definisse, pelo menos, os requisitos mínimos, como qual a localização e a quota de resíduos porque era responsável.

No entanto, esse era um dos aspectos que ainda faltava definir nesta sexta-feira. Apesar disso, o Ministério do Ambiente garantia que tal não inviabilizava que a Novo Verde começasse a operar, sem explicar, contudo, como tal seria possível. “Esse mecanismo será definido na CAGER [Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos] mas não coloca nenhuma dificuldade ao avanço das retomas a partir de 1 de Abril”, afirmava numa nova escrita enviada ao PÚBLICO.

Este não era o único aspecto que faltava decidir. Os modelos que permitirão fixar os valores que os embaladores terão de pagar este ano às entidades gestoras ainda não estão aprovados, não há um modelo de compensação que permita a articulação entre as duas entidades, nem é possível ainda saber qual é a quota de mercado que cada uma terá.

Nesta sexta-feira deveria ter terminado o prazo-limite para os embaladores — os financiadores do sistema de valorização e reciclagem — transferirem as suas responsabilidades na gestão dos resíduos de embalagens para as entidades gestoras. Mas depois de uma posição forte da CIP— Confederação Empresarial de Portugal, o ministro do Ambiente acabou por decidir ao fim da tarde alargar o prazo por mais 30 dias.

Mesmo que não o tivesse feito ainda não seria possível perceber o peso dos embaladores que assinaram contratos com cada uma das duas entidades gestoras. Isto porque a própria calendarização do processo de transição só obriga a Novo Verde e a Sociedade Ponto Verde a comunicarem a lista ao Ministério do Ambiente até 15 de Abril, duas semanas após o sistema alegadamente começar a funcionar em concorrência.  

Processo arrasta-se

Igualmente estranho é que o calendário que obrigava os embaladores a assinarem contrato com uma das duas entidades gestoras até 31 de Março, determinava essa mesma data como limite para submeter à aprovação da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direcção-Geral das Actividades Económicas o modelo de cálculo das prestações financeiras, como reconheceu a SPV ao PÚBLICO. Ora tal significava que os embaladores iriam ser obrigados a optar por contratar uma das duas entidades licenciadas — há uma terceira, a AMB3E a aguardar licenciamento — sem saberem quanto cada uma delas ia cobrar.

O presidente da nova CAGER, a quem caberá assegurar o normal funcionamento do sistema e definir grande parte das questões em falta, só foi nomeado no início de Março. O conselho consultivo, o outro órgão da comissão, nunca reuniu.

Por tudo isto, as associações ambientalistas Quercus e Zero são muito críticas quanto à actuação dos sucessivos ministérios do Ambiente, que arrastaram o processo de emissão de novas licenças por mais de cinco anos.

O actual ministério reconhece esse atraso: “As licenças foram emitidas em Novembro de 2016, resolvendo um assunto que se arrastou por mais de 5 anos.” E admite “que havia razões para tudo estar na esfera das entidades gestoras e dos seus aderentes já estabilizado”. 

A SPV lamenta que o período de transição para um modelo concorrencial tenha sido “reduzido” — “Sempre alertámos”, faz saber. E considerou ontem que “qualquer alteração de última hora será mais um factor a acrescer às incertezas ocorridas e a ocorrer ao longo de todo este processo”, constituindo “mais um elemento perturbador ao período de transição”.

Pedro Nazareth, director-geral da AMB3E, que está em processo de licenciamento para se juntar à SPV e à Novo Verde, considera que “este processo não está a correr bem sobretudo porque houve precipitação no tempo de preparação da efectiva concorrência entre entidades gestoras”.

E critica: “Há elementos imprescindíveis que deveriam ser prévia e atempadamente estabelecidos e que não o foram.” Fala, por exemplo, da necessidade de criar uma plataforma informática que permita alocar os resíduos de embalagens de cada um dos sistemas municipais de gestão de resíduos às diversas entidades gestoras.

“Temo que estejam os ingredientes reunidos para que venham a existir algumas tensões entre os diversos operadores da gestão de embalagens, com eventual impacto nas metas de  reciclagem nacionais”, avisa Pedro Nazareth.

A preocupação é partilhada pelos ambientalistas, como Rui Merkemeier, da Zero, que receia que um modelo concorrencial mal concretizado traga efeitos perversos, como a diminuição dos níveis de reciclagem. 

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