Um rebuçado de microalgas para combater a obesidade?

Investigadores em Portugal coordenam um projecto internacional de 1,3 milhões de euros que vai estudar as cianobactérias como fonte de compostos bioactivos para actuar na obesidade, diabetes e fígado gordo.

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Os investigadores vão testar, pelo menos, 50 estirpes de cianobactérias que existem em Portugal João Morais/CIIMAR

Talvez daqui a três anos já existam os ingredientes necessários para fazer uma cápsula, um rebuçado ou um alimento funcional para combater a obesidade, a diabetes e outras doenças a partir de cianobactérias, microorganismos conhecidos como “microalgas azuis”. O objectivo do projecto Cyanobesity é precisamente esse: desenvolver nos próximos três anos novos compostos nutracêuticos extraídos de cianobactérias marinhas que reduzam os níveis de colesterol, triglicerídeos e glucose no sangue. O plano, que envolve um financiamento de 1,3 milhões de euros e cinco grupos de investigação em quatro países, é coordenado pelo Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto.

Como tudo na vida, as cianobactérias têm um lado bom e um lado mau. Estes microorganismos que fazem a fotossíntese são, dizem os cientistas, responsáveis pelo aparecimento do oxigénio na atmosfera, há 2000 milhões de anos. Mas as toxinas que libertam e tingem as águas de verde também podem causar problemas ambientais. Mas há mais. Estudos em ratinhos demonstraram o potencial terapêutico das cianobactérias e compostos destes microrganismos já são usados em tratamentos do cancro. Porém, agora, um consórcio que reúne investigadores em Portugal, Suécia, Alemanha e Islândia quer identificar nestes microorganismos novos compostos capazes de combater a obesidade e outras doenças relacionadas, como a diabetes e a esteatose hepática (fígado gordo).

O objectivo não é desenvolver um produto farmacêutico, mas antes simplificar este caminho, oferecendo estes compostos como “nutracêuticos” que não necessitam de uma regulamentação tão rígida como a exigida para um fármaco, refere ao PÚBLICO Ralph Urbatzka, investigador do CIIMAR e coordenador do projecto. O conceito nutracêutico – que é relativamente recente, tendo sido lançado por Stephen DeFelice em 1989 – junta dois mundos: o da nutrição e o da farmacêutica.

O projecto Cyanobesity ainda está a começar. A primeira fase, que arranca em Maio, será dedicada à produção de biomassa de várias estirpes de cianobactérias seleccionadas da colecção de culturas do CIIMAR, a maior colecção portuguesa e inscrita na Federação Mundial de Colecções de Culturas. Ralph Urbatzka adianta que ainda não está definido o número total de estirpes de cianobactérias que serão avaliadas mas que, para já, o plano é testar pelo menos meia centena.

Estas cianobactérias serão investigadas ao pormenor, refere o cientista do CIIMAR, adiantando que vão realizar diferentes bioensaios em peixes-zebra e em vários tipos de células adiposas (que acumulam gordura) e células hepáticas (presentes no fígado). Estas experiências vão permitir isolar os “compostos bioactivos, necessários para a elucidação da sua estrutura química”. “Vamos perceber como estas cianobactérias actuam na redução do colesterol, lípidos e outros indicadores. Vamos rastrear a bioactividade no peixe-zebra, um modelo in vivo, que vai permitir ver a acção destas cianobactérias”, diz Ralph Urbatzka, acrescentando que as experiências serão feitas com “embriões, nos primeiros estágios de vida destes animais”.

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Projecto vai analisar ao pormenor os compostos de várias estirpes de cianobactérias João Morais/CIIMAR

Os grupos de investigação vão trabalhar em várias frentes. A equipa do Centro Hemholtz de Munique, na Alemanha, é especializada na área de obesidade e diabetes e vai realizar também bioensaios celulares para rastrear estas estirpes. Na Suécia, cientistas da Universidade de Linköping vão desenvolver uma “nova ferramenta biotecnológica para analisar muito rapidamente o mecanismo da acção – quais são os alvos moleculares, os receptores, as enzimas”, explica Ralph Urbatzka. Por fim, na Islândia o projecto terá dois grupos (da Universidade da Islândia e do laboratório Artic Mass) a trabalhar na “elucidação da estrutura dos novos compostos” para apresentar a sua fórmula química.

Há muitas cianobactérias e existem em muitos ecossistemas (mar, estuários, lagos e até algumas que existem no ar). A classe da espirulina é uma das mais investigadas e há já vários estudos que associam estes microorganismos a benefícios na saúde. “Vamos estudar as cianobactérias que temos na nossa colecção no CIIMAR e que existem em Portugal”, diz Ralph Urbatzka, sublinhando que este projecto quer ir além do que já se sabe sobre este tema. “Estamos à procura de novos compostos. O que já está descrito apenas dá algumas indicações. Queremos sistematizar este conhecimento e encontrar a melhor estirpe de cianobactérias, caracterizando os compostos ao pormenor.”

No final teremos um produto? “Esperamos que sim. Vamos tentar obter compostos que depois serão utilizados como nutracêuticos, uma espécie de suplemento alimentar”, diz o investigador. “Imagine que neste projecto encontramos uma estirpe muito promissora que têm um composto maravilhoso. Depois disto, grandes empresas de produção de microalgas podem pegar nesta estirpe e produzir este composto em grande escala.”

Ou seja, no final deste projecto de três anos não haverá um comprimido para mostrar, mas antes a caracterização detalhada de uma matéria-prima que poderá ser “incorporada numa cápsula, rebuçado ou alimento” e que provou ser eficaz no combate à obesidade. “O objectivo é encontrarmos aqui a melhor cianobactéria para ajudar as pessoas obesas a reduzir os níveis de colesterol, os lípidos, a gordura, e que seja também benéfica para a diabetes, com redução dos níveis de glucose no sangue, fígado gordo, apetite e hiperlipemia. Queremos encontrar algo com o potencial de melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o mundo.” 

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