3, 2, 1… A corrida começou e os carros movem-se a luz solar
Havia seis carros em competição. O tempo até estava bom e nas plateias da pista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa houve quem fizesse apostas para o vencedor.
“Prontos? Largada!” A bandeira axadrezada agitada pelo professor Guilherme Carrilho da Graça, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), deu o sinal da partida e lá arrancaram os seis carros movidos a energia solar na terceira corrida do Portugal Solar Challenge. Patrícia Gouveia conduzia o último carro da pista na parte exterior de um dos edifícios na FCUL, durante a manhã desta sexta-feira. A medo, lá carregou no acelerador e percorreu o trajecto em terra batida com 600 metros. De vez em quando, lá trocava o acelerador pelo travão.
Afinal, o carro que Patrícia Gouveia, de 19 anos, conduzia nesta corrida teve um acidente no ano anterior e era preciso ter precaução. Também, para acalmar os seus receios, um assistente corria lado a lado do seu carro, o colega Rodrigo Monteiro, responsável pela parte eléctrica deste carrinho. Este veículo foi construído pelos alunos do curso de energias renováveis da Escola Secundária de Santa Maria, do Agrupamento de Escolas Monte da Lua, em Sintra.
Se imaginarmos o terreno da FCUL como uma pista de Fórmula 1, nas boxes, de apoio a Patrícia Gouveia, estiveram ainda mais quatro colegas, como Rúben Gonçalves, o mecânico, ou Filipe Correia, que foi o responsável pela bicicleta que compõe este carro. Patrícia Gouveia foi a escolhida como condutora deste pequeno veículo devido ao seu metro e 51.
Também nas boxes improvisadas esteve o professor de técnicas oficinais, Manuel Filipe Carrêlo. “Vai sempre pelo sol, sempre pelo sol”, avisava o professor durante esta corrida para a “melhor equipa”, que durou 30 minutos. “Estes alunos estiveram sempre envolvidos no processo de construção deste veículo, o carro foi integralmente construído por eles”, garantiu o professor com um sorriso. O projecto chama-se Veículo de Energia Solar, e o carrinho foi feito durante quatros horas semanais durante três meses. Mas não foi um processo fácil, como o patrocínio necessário para o motor, foi uma luta para se conseguir montar e fazer a manutenção deste carro cujo tejadilho é um painel fotovoltaico.
Já é a segunda vez que esta escola de Sintra participa na corrida e as memórias de 2016 não são as melhores. “No ano passado, o carro partiu-se nas soldaduras”, revela o professor. Logo se instala o burburinho entre o grupo e Rodrigo Monteiro mostra-nos uma fotografia no telemóvel com o carro desfeito na corrida. Este ano renovaram-no: o amarelo passou a vermelho e reduziram-lhe a largura. Mas algo mais terá de ser mudado e é a própria condutora que exprime esta preocupação. “No ano passado, chamávamos-lhe Boguinhas Amarillo (amarelo), agora temos de mudar.”
Entretanto, faziam-se apostas à margem da pista. “Aposto que aquele carro não aguenta os 30 minutos”, diz alguém como se esta fosse uma corrida de cavalos. Mas nesta corrida um dos factores que importava era a potência em watts. O Boguinhas foi apenas um dos seis carros em competição e com uma potência de cerca de 280 watts. Houve também três carros construídos pela FCUL, com cerca de 250 watts, e foi com estes que se fez a corrida para “melhor piloto”. Houve também um outro construído por esta faculdade com 300 watts e um vindo do Instituto Politécnico de Castelo Branco com 250 watts.
E qual é, afinal, o objectivo desta corrida? “Promover a utilização das energias renováveis e fazer com que os alunos do ensino secundário tenham contacto directo com o sistema renovável. Depois, a ideia é que seja algo acessível e divertido”, responde-nos Killian Lobato, professor de engenharia das energias e ambiente, na FCUL. Por isso, juntamente com os professores Guilherme Carrilho da Graça e João Serra, também da FCUL, têm organizado a corrida há três anos. A primeira aconteceu em 2015 e, logo nesse ano, a FCUL construiu três carros idênticos, cada um por mil euros. Esta terceira edição é já considerada a “melhor de sempre”. Teve 30 pilotos e o maior número de escolas competidoras: o Colégio Valsassina, a Escola Secundária Pedro Nunes, o Centro de Formação Profissional da Aldeia de Santa Isabel (todos em Lisboa), além do Agrupamento de Escolas Monte da Lua e do Instituto Politécnico de Castelo Branco.
A vontade dos organizadores é que o Portugal Solar Challenge ainda cresça mais, mas isso não é fácil, como refere Killian Lobato: “Já abordámos empresas sobre isto, mas vêm logo com respostas megalómanas. Dizem que querem apoiar ‘aquela’ corrida que atravessa a Austrália, mas nós queremos apoiar um nível um pouco mais a baixo, como escolas secundárias e alunos a iniciarem o curso de engenharia.”
E, já agora, como esteve o tempo para estas corridas? “Esteve razoável”, diz Killian Lobato enquanto aprecia o sol. Ainda para este ano, já pensaram numa corrida em Setembro para apresentar este tema aos alunos e suscitar logo no início o seu interesse.
Uma derrota com sabor a vitória
Estas corridas já contagiaram outras instituições, como o Instituto Politécnico de Castelo Branco. Luís Neto, professor ali de energia solar, espreitou a primeira corrida e decidiu que os seus alunos também deveriam construir dois carros a energia solar. A Lisboa, nesta sexta-feira, vieram sete dos dez alunos do projecto e vieram vestidos a rigor com uma camisolas e bonés vermelhos e o nome do seu instituto.
Pode dizer-se que a deslocação valeu a pena, afinal a equipa albicastrense venceu a prova dos 30 minutos, para a melhor equipa. Luís Silva, de 19 anos, é aluno do instituto e um dos pilotos que levou o carrinho à vitória. “Não tinham hipóteses! O nosso carro era superior”, diz ainda ofegante.
Já o Boguinhas Amarillo, conduzido também por outros alunos da escola de Sintra, e o único construído por uma escola secundária, ficou em último lugar. Era o que andava menos, o controlador avariou-se. Mas os seus “construtores” olham para ele com muita estima. “Não temos o espírito de competição e quando algo falha não é culpa de ninguém”, diz o professor aos alunos. Patrícia Gouveia, a única mulher deste grupo, não mostra sinais de desilusão: “Sempre me agarrei a isto. O professor sugeriu construir um carrinho? Então vamos construi-lo.”
Depois pede para repararmos em certos pormenores: “Já viu o volante? É da Mercedes e fazia parte de um carrinho de golfe. Assim até tem mais classe”, diz-nos a sorrir. Mas depressa se vira para a equipa: “Olhem, e se lhe chamássemos Mercedes Red (vermelho)?” Será que em dia de derrota o Boguinhas ganhou um novo nome?